Outubro de mudança

Chegámos a uma altura em que já deixámos de ter poder de escolha sobre a quantidade de lixo que trazemos para casa. O lixo é-nos imposto, quer queiramos quer não, como complemento indissociável dos produtos que compramos. Reduzir o lixo que produzimos é uma autêntica luta diária que exige preparação e antecipação, paciência e diplomacia. Sinto como se me tivesse de preparar para uma guerra e munir-me de capacete, colete à prova de balas e metralhadora antes de sair e enfrentar o mundo do comércio e os vendedores que nos impingem e os compradores que aceitam sem pensar os produtos descartáveis.

Se levo as minhas próprias embalagens para a casa da comida pronta, o senhor quase que se zanga comigo. “Mas o que é isto, menina? Nós temos embalagens nossas!” Respondo que bem sei, senhor, e são embalagens muito resistentes, mas estou a tentar produzir menos lixo, sabe, ao que ele responde “Pff, se é assim que quer!”, como se me estivesse a fazer mal a mim própria, uma tonta que não sabe o que faz.

Se no talho tento recusar o segundo saco de plástico (a carne é colocada num saco de plástico que é colocado dentro de outro saco de plástico), a senhora responde com um tom maternal “Deixe estar menina, mais saco menos saco…”, como se me estivesse a fazer um favor, como se fosse um acto generoso da sua parte dar-me mais outro saco, não vá eu sujar o banco do carro. Resisto a ripostar. A carne já está dentro do saco, que já está dentro de outro saco, e se a obrigar a retirar o segundo saco, o mais certo é ir parar ao lixo, sem ser usado, porque já esteve em contacto com a carne e a Asae é que manda.

Sem falar noutro tipo de lixo que nos é impingido, como é o caso dos 198 canais de televisão, da fibra óptica, dos 3 gigas e das operadoras a lutar entre si por mais clientes. Optámos recentemente por um pacote com menos canais, mas com mais dados no telemóvel e foi uma complicação explicar ao rapaz porque é que 33 canais até já são demais para quem praticamente não liga a televisão. Mas e as meninas? Não acha que elas devem ver mais do que apenas dois canais infantis? Pois… não. É que nós preferimos que elas brinquem, sabe. E quase me desfaço em desculpas.

É cansativo.

Ainda assim, acho que vou insistir nisto. Vem aí Outubro, o mês sem compras de produtos novos, e se noutros anos só me lembrava a meio, este ano ainda vou a tempo de decidir não comprar nada novo durante 30 dias. Não é muito. Aliás, não é nada. Desde que, em Abril, decidi que ia passar a ter mais atenção à roupa que compro (onde e em que condições foi feita, preferindo produção nacional, local e até caseira), que me tenho portado muito bem. Tive um ou outro deslize, confesso, mas posso dizer que comprei apenas 5 peças de roupa nova, sendo apenas uma de produção fora de Portugal. Valeu-me o guarda-roupa que herdei da minha avó e que fui arranjando ou mandando arranjar, valendo-me várias saias e vestidos para o Verão que passou. Fora isso, não tenho por hábito comprar bijuteria, nem acessórios (comprei uma mala que mandei fazer com um tecido meu, portanto sei bem quem a fez e paguei o preço justo por ela), nem sapatos e as minhas compras por impulso também são cada vez menos. A minha única perdição são os livros, mas acho que tenho livros novos que cheguem durante um mês. Portanto, não, não vou precisar de comprar nada novo para mim. Excluem-se os produtos de higiene e limpeza da casa, alimentação e prendas, no caso de me ser mesmo impossível fazê-las eu. Exclui-se também o resto do agregado familiar. Essa é outra luta que espero travar dando o exemplo.

Posto isto, Outubro é capaz de ser um bom mês de teste para implementar algumas mudanças. Será que sei no que me vou meter?

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4 comentários

  1. Que bom ler-te! A minha luta contra os sacos de plástico é igual! Tenho que começar a perder tempo a explicar… mas sei que depois cão olhar para mim como se fosse uma lunática! Cá em casa, a TV continua a dar só 4 canais e só se liga à noite para ver uma série. As miúdas agora têm um novo divertimento: brincar num monte de areia (obras no quintal!)e nem se lembra da TV. (Já estou a ver a cara de reprovação de algumas mães que mandaram tirar a areia do recinto escolar!) Por vezes sinto-me um extraterrestre. Depois numa terra pequena em que tudo é notado… Que chatice, mas acredito mesmo que é com a nossa contribuição individual que vamos mudando alguma coisa. Estou contigo nestas lutas! Inês

    1. Cara Inês, e que bom ter comentários como o teu! Percebo bem o que dizes, às vezes também me sinto um bicho raro. Mas as pessoas habituam-se às nossas “manias” e acabam por aprender a respeitá-las. Até, quem sabe, começar a imitá-las 🙂

  2. Ai como te entendo!!! Também me tenho sentido frustrada: por mais que me esforce, tenho sempre os caixotes da reciclagem a encher rapidamente. Às vezes sinto que só se fizer tudo em casa é que me livro do lixo. E mesmo assim…

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