Por estes dias

Eu tenho uma casa no Alto Alentejo, ou melhor, os meus pais têm uma casa no Alto Alentejo que compraram às minhas tias quando a minha avó morreu, por isso acho que um dia a casa vai ser minha. Às vezes venho cá, apesar de a minha filha mais velha dizer que é longe e a casa é velha e não há nada para fazer, o que me deixa muito triste porque, na idade dela, o que eu mais gostava era de vir para esta mesma casa, que dantes era da minha avó e não minha, e era longe e velha e não havia nada para fazer, mas mesmo assim foram os melhores Verões da minha vida. Já mais crescida, viria a sentir-me muito deslocada neste Alto Alentejo, desenraizada e desintegrada, e só depois de adulta lhe viria a reencontrar o encanto.

Este fim-de-semana viemos para cá, sendo que “cá” designa a região e não a casa em si. Sinto-me um bocado mal por estar a vinte quilómetros e não ir dar um beijinho à minha tia, mas seria demasiado complicado explicar agora porque é que ir à vila dar um beijinho à minha tia é uma coisa que não me atrai nada neste momento. Tem a ver um bocado com as mudanças que se dão em nós e nos outros e as explicações que não queremos dar. Além disso a minha mãe faz 69 anos hoje e quis o destino que não estivéssemos hoje juntas. Adiante. Estamos na casa dos pais de uns amigos, mas os pais dos amigos não estão cá, o que não faz grande diferença, pois agora já somos adultos e responsáveis, por isso não vamos ficar na piscina até às dez da noite, nem acabar com as garrafas de uísque que o dono da casa escondeu atrás da enciclopédia, nem deixar que as crianças adormeçam por exaustão em frente à televisão. Nada que nos tenha passado pela cabeça, claro.

Faz um calor como só aqui se consegue sentir. Aquele calor que deixa as ruas desertas grande parte do dia, os estores para baixo e as pernas bambas. Há tarros pendurados à volta da lareira, e panelas de estanho na cozinha, relógios de pêndulo que dão as horas e taleigos pendurados que me fazem lembrar os tecidos que encontrei no baú da minha avó. Há bolo finto na mesa do pequeno-almoço, embora já não tenhamos chegado a tempo para as boleimas. Hoje ao jantar vai haver migas com entrecosto, daquelas migas como eu gosto, de batata com pimentão vermelho e molho do entrecosto, que são muito difíceis de encontrar nos restaurantes e que nunca, mas nunca são iguais às que a minha avó fazia. Nem aquelas que o Tiago um dia fez, a meu pedido, depois de termos ido ao restaurante Sever, em Portagem, nas margens da praia fluvial e no sopé de Marvão, comermos uma tomatada de frango que me transportou no tempo e me trouxe lágrimas aos olhos. Hoje voltámos lá, mas já não serviam a tomatada. Só alhada de cação e sopa de tomate, o que também não me deixou nada mal servida, posso garantir-vos.

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