Recomeços

(Sesimbra, penúltimo dia do ano)

Não sei bem como começar este post. É o primeiro post de 2018 e merecia pompa e circunstância, frases a rolar sobre uma carpete vermelha e confettis a pontuar as palavras. Mas não me sinto própria para festejos e, ultimamente, a minha escrita (sim, recomecei a escrever com caneta e papel) aproxima-se mais da poesia atormentada de uma Sylvia Plath, mas sem a poesia nem a elegância. Ficamos, portanto, só com as tormentas.

O fim do ano foi, assim, atormentado (prometo que já procuro novos adjectivos). Já chorava antes de saber que tinha motivos para chorar. No último dia “bom” do ano ainda me aperaltei para um jantar a dois: saia, botas, camisa branca, unhas arranjadas e base para dar aquela tez uniforme. O último jantar a dois do ano, mas o primeiro jantar a dois depois de nos termos resgatado no naufrágio dos nossos stresses pessoais (our very own personal stresses funcionaria muito melhor aqui, raio da língua inglesa). Haviam sido, para ambos, uns últimos meses cheios de de afazeres, muito trabalho e emoções à flor da pele. No fim da tarde anterior, sentados no tapete da sala, ouvimos, falámos, fizemos perguntas e promessas, e eu percebi que a causa dos meus stresses sou principalmente eu, que não sei simplificar nem desapegar-me do que não é essencial. Como os queques que teimo em fazer nos aniversários das miúdas, mas que ninguém come.

Como acontece aos bebés que choram ao final do dia por excesso de estímulos, eu chorei muito no final deste ano por não aguentar o peso de todas as emoções de um ano inteiro. Mal sabia eu o que se avizinhava a seguir. Reparem, estávamos mesmo nos últimos dias do ano, quando já só andamos a queimar cartuchos e a matar o tempo com análises, retrospectivas e resoluções até o novo ano chegar. Já nada poderia acontecer, nem de mau nem de bom. Era um arrastar dos dias à espera do “grande dia”. Só que não. Do dia para a noite, tão literalmente que até dói, soube que o nosso gato, o Dexter, connosco há seis anos, tinha um tumor no abdómen que já se espalhara pelo intestino e por todo o tórax. É curioso, é como aquelas pessoas que descobrem que têm uma doença fatal numa consulta de rotina. Mas, mesmo quando se espera, não se espera realmente. Acontece tudo de repente. Aconteceu tudo depressa demais: exames, ecografias, raios-X, análises, tudo na mesma tarde. Quando saí do consultório, às 8 da noite, lavada em lágrimas, sabia que teria de tomar a pior decisão da minha vida (espero que seja a única). Nunca tinha mandado eutanasiar um animal, mas acreditem, a dor é tão forte nestes casos como é quando um gato nos cai do 6.º andar e morre sem termos tempo de nos despedirmos dele. Mas, desta vez, pude despedir-me dele. Escolhi, assim, prolongar o meu sofrimento, mas preferi estar com ele até aos últimos momentos, senti-lo a ficar pesado nos meus braços e a adormecer profundamente. Ainda lhe dei mais um beijinho, mas foram uns segundos. E depois nada.

Só as minhas lágrimas.

Ainda choro. Sou assim, muito emotiva. Mesmo com gatos. Especialmente com gatos.

Não consegui fazer o meu luto. É que no dia seguinte era suposto estar feliz. Tínhamos passagem de ano marcada com amigos, eu olhava em meu redor, via os outros felizes e sabia que devia sentir-me como eles, feliz, só que não conseguia. A morte do Dexter foi o culminar de uns meses bastante emotivos e trepidantes (não sei se este será o adjectivo certo, Sylvia Plath, ajuda-me!) e eu só queria ter passado a passagem de ano a dormir. Como se acordar no dia seguinte, no primeiro dia do novo ano, apagasse todas as tristezas do ano antigo. Que infantilidade esta de acharmos que o novo ano é uma possibilidade de nos redimirmos da nossa preguiça, quando, na verdade, passamos o dia de ressaca e mal dormidos à espera que chegue o dia 2 para aí, sim, nos redimirmos a sério. Mas o dia 2 chega e traz com ele a rotina e os afazeres de casa e os tpcs da escola feitos à pressa à mesa do jantar e, mal damos por nós, já nos esquecemos das resoluções que tínhamos feito o ano passado. Parece que foi há tanto tempo. Se calhar é melhor deixar para o ano…

Adiante. Falemos de mim agora. Não sinto nada disto que estive para aqui a garatujar nas últimas linhas. Se há coisa que não sou é preguiçosa. E também não bebi muito. Mas este ano não sinto que o ano seja novo ou velho. É só um número diferente que tenho de pôr nas facturas. Recomecei a minha rotina, não com alegria, mas por necessidade de me manter à tona, de dar um rumo aos meus dias. Ainda assim, só para não dizer que não tenho resoluções, quero fazer 30 dias de yoga seguidos com a Adriene (já fiz dois, mas ainda vão a tempo!) e ler 28 livros este ano. Basicamente é isso.

Olhem, bom ano.

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2 comentários

  1. Como eu te percebo!!! Com o tempo melhora, mas não passa… ainda hoje, 10 anos depois de perder o meu Freddy da mesma forma que tu perdeste o teu Dexter, quando vejo fotos dele ainda me vêm as lágrimas aos olhos! Não é de um momento para o outro que se esquece um animal, que no meu caso, esteve comigo quase 15 anos!

  2. que seja um bom ano!!

    a dor é para ser sofrida. gritar chorar e fazer luto
    porque existe amor e se o amor é para ser sentido a dor também e é preciso ter esse espaço para ser sentida e para fazer sentido e depois continuar

    abraço

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