Leituras de 2018 #1

1. Lucia Berlin, Manual para Mulheres de Limpeza

Demoro-me sempre muito na banca da Alfaguara, na Feira do Livro. Reparei na Lucia Berlin quando já estava a pagar. Confesso que foi o apelido dela que me chamou a atenção. Peguei no livro. Ah, são contos. Devolvi-o ao seu lugar. Não tenho grande paciência para contos, prefiro histórias grandes e complicadas como a vida. A vendedora, no cumprimento do seu dever de aconselhar e vender livros, assegurou-me que, sim, eram contos, mas não eram, porque, juntos, formavam uma espécie de autobiografia e podiam ser lidos como uma só história. Depois olhou para os outros livros que eu estava prestes a comprar e assentiu, em jeito de confirmação, com um leve meneio de cabeça: “Olhe que vai gostar”. Acredito sempre quando me dizem isto. Lá o trouxe.

Demorei este tempo todo, de Junho até aqui, a decidir-me a lê-lo. Por causa dos contos. Mas, entretanto, devo ter lido um artigo qualquer sobre esta Lucia Berlin que me convenceu e achei que seria um bom livro de passagem de ano. Comecei a lê-lo na véspera de Natal, acabei-o ontem. Não sei como descrevê-lo. Não é a melhor coisa que já li até hoje (por causa da coisa dos contos), mas é talvez aquele livro que me vai marcar aos 30, assim como “Pela Estrada Fora” me marcou aos 20 e “Os Filhos da Droga” me marcou aos 17.

“Manual para Mulheres de Limpeza” dá nome a um dos contos. Estes contos não são mais do que relatos autobiográficos que se entrelaçam, alternando entre recuos e avanços no tempo, para formar uma única história: a história da vida de Lucia Berlin, uma autora de quem a maioria, eu incluída, nunca ouviu falar. Lucia Berlin não teve uma vida fácil, envolvendo abusos, alcoolismo, nomadismo, vários empregos, 4 filhos, três casamentos falhados e complicadas relações familiares. Mas não foi isso que a impediu de ver o lado cómico da vida, como acontece quando fala sobre a irmã que está a morrer de cancro, ou poesia naquilo que é tudo menos poético (como a lixeira, cuja descrição quase nos dá vontade de partir em peregrinação!). Mesmo quando um conto parece não ser autobiográfico, ela lá está, sob outro nome ou disfarçada numa personagem secundária, tal como Hitchcock fazia nos seus filmes. Lucia Berlin, a Hitchcock dos contos americanos com sabor a México.

“Manual para Mulheres de Limpeza” é um daqueles livros que dá vontade de sublinhar, anotar, marcar os cantos para podermos mais facilmente encontrar aquelas passagens de tanta beleza e lê-las enquanto esperamos que o esparguete coza. Assim – com o glamour da vida banal. Tal como a vida de Lucia.

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