A ternura de Inês

Eu sei, até parece mal. Escrevo um post dedicado à filha mais nova, depois do seu quarto aniversário, e não faço o mesmo pela filha mais velha, depois do seu sétimo aniversário. Não é por mal, claro está, nem por eu gostar menos dela. Foi o raio do final do ano passado e o estranho princípio deste, é ela fazer anos tão perto do Natal e quase não haver espaço para respirar entre festas, foi só ter parado agora para alinhavar ideias e perceber que me faltava algo muito importante para fechar o ano.

A minha Inês, a minha primogénita. A minha companheira das histórias e dos jogos de cartas. A minha companheira de Berlim. Ainda relembro a nossa viagem com todo o carinho de que sou capaz. De tudo o que podia correr bem, correu melhor ainda. Ela revelou ser a pequena companheira perfeita, curiosa e interessada. Lembro-me de uma noite, quando saímos de um restaurante crudívoro, cujo repasto ela recusou delicadamente depois de ter provado algumas iguarias (nem eu estava à espera de mais…), e nos sentámos num Imbiss, um daqueles snack-bars de rua, ela a comer um cachorro quente e eu a beber uma Becks. Chuviscava e estava fresco, mas o reflexo das luzes dos postes de iluminação e dos carros a bater no chão molhado dava um ar mágico ao cenário, como se fosse acontecer algo de bom. Olhei para ela entre goles. Ali estava ela, já desdentada, a tentar enfiar uma salsicha alemã por entre a abertura dos dentes, a refastelar-se com as batatas fritas cobertas de ketchup (depois de ter aguentado estoicamente o restaurante crudívoro, permitir-lhe-ia tudo) e a sorrir, quando olhava para mim. A coisa boa estava a acontecer naquele momento. Eu e ela numa rua de Berlim, já de si uma situação que eu não achava que fosse acontecer tão cedo, a celebrar aquele momento mágico entre mãe e filha, todos aqueles dias mágicos que estávamos a viver.

Poucos dias depois de regressarmos, entrou no 2.º ano. Já no 2.º ano… Boa aluna, integrou o quadro de mérito ao longo de três períodos consecutivos, sem ter qualquer noção disso. Um dia, chegou a casa e anunciou que era a melhor da turma a ler. Estava o caldo entornado, o peito inchado, o ego insuflado. Adora rimas e histórias em verso, lengalengas e adivinhas. Gosta do som das palavras, brinca com elas, e eu fico orgulhosa, mãe de letras, pai de números, mas eu quero é que ela goste de ler.

É muito meiguinha e tem muito amor dentro de si para dar e vender. Às vezes, o amor não lhe cabe todo no peito e tenta extravasá-lo, nem sempre da melhor maneira. É mais ou menos nestas alturas em que os bichos carpinteiros que vivem no seu corpo acordam e se põem a trabalhar. A culpa não é dela, é dos bichos carpinteiros, nós sabemos, mas nesta fase é sempre preciso acalmá-la, abrandar-lhe a inquietude, ensiná-la a respeitar o espaço alheio. Talvez seja o mal de ser a filha mais velha, a cobaia em que testamos o nosso exercício da parentalidade. É com ela que sabemos sempre se algo funciona ou não, se estamos a fazer bem ou mal. Depois com a irmã repetimos ou implementamos a versão melhorada, mas é com ela que nos testamos, que nos pomos à prova, que mais aprendemos. Não sei se isto é muito justo, verdade seja dita, mas eu sei que ela me perdoa sempre no fim do dia, quando a aconchego na cama e lhe dou muitos beijos de boa noite. Perdoa-me o mau jeito para ser mãe, perdoa-me os ralhetes num tom mais acima do desejável, perdoa-me as respostas trapalhonas que dou às perguntas difíceis que me coloca sem pré-aviso. Eu sei que me perdoa, porque no final do dia, quando a aconchego na cama, diz-me sempre “adoro-te, mamã”. E eu acredito mesmo.

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