As casas dos outros

Espantam-me sempre as coisas que encontro nas minhas caminhadas, se bem que, normalmente, só eu saiba porque me espantam certas coisas ou me despertam a curiosidade. Há de chegar o dia em que me apanham a tirar fotos a uma casa e depois lá tenho de me desculpar e explicar que gosto do nome (ou que o achei piroso, o que é igualmente válido), ou dos painéis de azulejos na fachada da casa que me fazem lembrar uma manta de retalhos, ou do jardim compostinho ou do gato fotogénico ou do peixe a secar estendido na corda. É giro ver as coisas que as pessoas fazem e têm nas suas casas. Dá uma ideia vaga daquilo que são na vida.

Devem pensar o mesmo de mim quando passam pela minha casa, que está à vista descarada de toda a gente e permite uma vista desafogada para lá do portão. E as pessoas olham, sem pudor. Já me habituei, mas preferia ter tudo fechado com umas sebes de bambu que crescem muito alto e não dão a sensação de estarmos fechados numa prisão. Mas não temos e eu vou-me acomodando ao que tenho e ao que posso ter com o dinheiro que tenho e quero gastar na casa. A julgar pelo exterior, não ostento lá grande coisa, em parte por causa da tal questão do dinheiro, em parte porque me faltam ideias e forma de as concretizar. Tirando os canteiros, não sei se dá para ter uma ideia vaga daquilo que eu sou na vida. Se calhar, também me engano quanto aos outros.

Valha-nos a imaginação.

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Mont Blanc, round 2

Partiu hoje, de madrugada, para mais uma caminhada. 10 dias a andar, de mochila às costas, num sobe e desce à mercê dos caprichos da montanha, é só mesmo para quem gosta. E ele gosta – eles, que entretanto o grupo já se alargou. Eu vou ficando por cá, a segurar as pontas da família, contente por não ter de os acompanhar e feliz pela relação que temos. Ele vai todos os anos fazer uma caminhada grande? Pois vai. Mas eu também vou para retiros e festivais de música com a consciência tranquila por saber que não é um toma-lá-dá-cá. A liberdade que concedemos um ao outro não se mede pelo número de dias que cada um vai para fora, nem pelo egoistómetro dos nossos empreendimentos (é mais egoísta ir sem a família para um festival de música durante três dias ou dez para fazer uma caminhada?), mede-se cá dentro, pelo prazer que sentimos por poder proporcionar ao outro este tipo de momentos.

Por cá, a Alice já percebeu como é que a coisa funciona sempre que um dos pais está fora. As rotinas são mais relaxadas, os jantares são mais “rápidos”, as concessões são mais que muitas. É mais do que certo que vão acabar as duas a dormir na minha cama ou que vai haver bolachas para o lanche e gelados em dias de semana. É assim uma espécie de vale-tudo para facilitar a tarefa do progenitor “solteiro”.

Hoje de manhã, quando se apercebeu de que o pai já não estava, a mais nova perguntou-me, depois de um beicinho de tristeza: “Nós vamos fazer coisas divertidas, não vamos, mamã?”. Vamos, sim. Vai ser bom para todos. Uns na montanha, outros no calor – que, felizmente, parece que já chegou de vez!

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Caminhada dois: do Cabo Espichel à Praia das Bicas

As imagens falarão por si, mas posso adiantar que esta foi a caminhada mais bonita que já fiz. A que correu melhor em todos os aspectos. Ajudou muito ter adquirido uns bastões de caminhada que ajudam nas subidas e descidas, a equilibrar-me e a afugentar gafanhotos (!), mas eu acho que a paisagem maravilhosa junto à falésia contribuiu para que conseguisse desfrutar durante quase todo o percurso. E chegar ao final mesmo a tempo do pôr do sol na praia superou todas as expectativas. (e ainda vimos uma raposa!)

Caminhada 2 – Do Cabo Espichel à Praia das Bicas (Meco)

Distância 8,5 km; dificuldade moderada (tem várias descidas/subidas); sentimento de assombro pela paisagem durante o percurso (0 a 10): 10; Sentimento de assombro na chegada ao final (0 a 10): 10 ao pôr do sol

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Caminhar para vencer medos (caminhada um: Calhau da Cova)

Ainda não sei se já gosto de fazer caminhadas ou se já não odeio tanto. A verdade é que a minha fobia de gafanhotos me tem impedido de desfrutar o que quer que seja que as pessoas conseguem desfrutar nas caminhadas: o ar puro da serra, paisagens de cortar a respiração, a flora silvestre, as borboletas esvoaçantes, o contraste do azul do céu com o verde das árvores, o chilrear dos pássaros deliciam qualquer um!

Só que não. A única coisa que me ocupa a mente nestas caminhadas é um medo avassalador de a minha pele entrar em contacto com algum dos insectos saltitantes que por ali andam (normalmente, em grande quantidade). As poucas caminhadas que fiz com o Tiago ficaram sempre marcadas por grandes crises de ansiedade e pânico em que tivemos de voltar para trás e em que ambos ficámos frustrados, cada um na sua medida.

Mas este mês, com a ida das miúdas para casa dos meus pais durante uma semana, decidimos aproveitar os finais de tarde a fazer isso mesmo: caminhadas na zona onde vivemos: serra da Arrábida, cabo Espichel, entre muita mata e pinhal cujo nome desconheço. Não que eu tenha começado de repente a gostar muito de caminhadas. Essa não sou eu, definitivamente. Mas tenho dedicado algum tempo a tratar de me sentir mais confortável na minha pele (sim, descobri a Sandra Cisneros:

Resultado de imagem para sandra cisneros i am obsessede a resolver aquilo que me deixa desconfortável. E quando se vive no campo, se tem uma horta e se tem medo de gafanhotos, isto é coisa para nos deixar muito, mas muito desconfortáveis. Mas talvez volte a isto.

Da primeira caminhada para a segunda, que se seguiu apenas dois dias depois da primeira, vi progressos incríveis. Passei a primeira hora e meia a maldizer a minha vida e a perguntar-me como era possível gostar de caminhar por entre mato denso cheio de moscas insuportáveis, arbustos com picos e terrenos inclinados com gravilha escorregadia (qual comunhão com a natureza, eu só queria sair dali!), para, na segunda caminhada, dizer espontaneamente que a paisagem era espectacular e que estava a ser uma experiência fascinante. Talvez estejamos perante uma nova eu. Ou não. A verdade é que para hoje temos uma nova caminhada planeada e não me está a apetecer nada. Pode ser que me entusiasme com as imagens das primeiras caminhadas:

Caminhada 1 – Calhau da Cova, Arrábida (ou Trilho das Escadas)

Sensivelmente 6 km; dificuldade moderada (tem uma descida/subida considerável); sentimento de assombro pela paisagem durante o percurso (0 a 10): 5; Sentimento de assombro na chegada ao final (0 a 10): 9

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