Mãe cool

Dia de greve dos professores, véspera de feriado. Fui com as miúdas às compras. A mais nova não precisa de nada e aceita usar a roupa que herda da irmã sempre como se lhe fosse concedida uma oportunidade imperdível. A mais velha, por outro lado, está a crescer de forma desmedida e é dona de um gosto bastante refinado. Eu achava que era só esquisita e difícil, mas depois percebi que andava a ir com ela às lojas erradas. E que compro, para mim própria, roupa nas lojas erradas, não sendo, portanto, elegível para mãe cool e… nova. Percebi isso quando juntei à roupa dela uma malha para mim, numa dessas lojas para malta jovem, onde eu costumava ir às compras quando andava na faculdade.

Mãe, tu vais comprar roupa aqui???

Hesitei entre dar-lhe um beliscão, um sermão, imitar uma dança parva do TikTok ou ignorar. Ignorei. Se é para ser mãe cool, que seja até ao fim.

(Este post era para ter saído ontem, dia 4, mas depois houve o apagão geral das redes sociais e o WordPress deve ter sido afetado, porque se recusou a publicar-me o post. Por isso, aldrabei a data, para não me lixar a média.)

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Educar para a diferença (e para o amor-próprio)

As minhas filhas começaram a reparar na minha perna aí por volta dos 3 anos. Até lá, eu era simplesmente perfeita aos seus olhos. É claro que nunca me passou pela cabeça esconder-me delas, mas estava curiosa – e um pouco receosa – pela forma como iriam acolher a diferença na mãe.

A Inês começou por perguntar se as minhas cicatrizes nunca iam passar. Quando percebeu que não, passou a ser um facto consumado que a mãe tinha cicatrizes e pronto. Com a mesma idade, a Alice engraçou com o meu dedo grande, que está sempre encavalitado no outro. Vinha ela e puxava o dedo para o lado. “Pronto, mamã, já está direito”. Mas o dedo teimava em retomar a posição e ela ralhava com ele, “Dedo maroto!”. Eu deixava, achava piada que me quisesse consertar. Com quase cinco anos, já percebe que o dedo é mesmo teimoso e não vai ficar direito por muito que ela tente, mas de vez em quando lá vem ela tentar endireitá-lo.

Com a Inês a caminho dos 8, as coisas já são mais complexas. À medida que foi crescendo e medindo a vida à sua volta, começou a fazer outro tipo de perguntas. Porque tens uma perna mais fina? Porque tens um pé mais pequeno? Dói-te? E coisas do género. Fui tentando responder sempre de maneira a normalizar a situação. Ou seja, sim, eu tenho uma perna diferente, mas isto para mim é normal e para ti também deve ser. Nem sempre consigo. Não reajo muito bem, por exemplo, quando ela aponta o meu pé às amigas e diz: Já viste, a minha mãe tem um pé mais pequeno do que o outro. Sinto-me pequena, mais pequena do que o meu próprio pé, e tenho vontade de lhe tapar a boca com fita cola. Normalizar, Mónia, normalizar.

Também não sei muito bem o que dizer quando ela demonstra pena de mim. No outro dia, estávamos a ler uma história qualquer com umas ilustrações meio cubistas, em que uma menina tinha pernas de altura e espessura diferentes. Diz ela, “Esta menina tem uma perna mais grossa do que a outra”. “Olha, é como eu!”, respondi eu, num tom talvez demasiado esfuziante. Ela olhou para mim e o seu olhar inundou-se de uma espécie de pena, ou terá sido compaixão? “Pois”, respondeu ela, com aquele jeito de comiseração de quem não sabe o que dizer perante a infelicidade alheia. Era impossível não reparar, era urgente intervir. “Estás com pena de mim?”, perguntei eu. “Acho que sim”, respondeu. Fiz-lhe algumas perguntas para lhe mostrar porque é que não havia razão para ter pena. “Achas que eu sou infeliz por ter a perna assim?” – Não; “Achas que eu tenho vergonha da minha perna?” – Não; “Já sei, se calhar é porque sabes que tenho dores, não é?” – Sim. “Mas as dores passam, não há razão para teres pena, pois não?”. E aqui ela encolheu os ombros e disse: “Oh, na verdade eu não sei bem o que significa ter pena”.

Nesse momento, se eu fosse psicóloga ou intelectualmente iluminada, ter-lhe-ia explicado a diferença entre pena e compaixão. Mas limitei-me a abraçá-la, dar-lhe um beijo na testa e dizer: “É um sentimento difícil de sentir e explicar. Falamos sobre ele outro dia” e continuei a história. Deixá-la reflectir sobre isso (a sementinha ficou lá) e deixar-me a mim também preparar-me para isto. Se quero que as minhas filhas não tenham pena de mim, eu própria tenho de deixar de ter pena de mim. Se quero que as minhas filhas aceitem a minha diferença como normal, como parte de mim, eu própria tenho de aceitar a minha diferença como normal, como parte de mim. Se eu quero que as minhas filhas gostem delas tal como são, eu tenho de lhes mostrar como se faz isso pelo meu exemplo.

Agora já percebo o que quis dizer a minha médica quando eu a informei, de lágrimas nos olhos, que ia ter outra menina (eu sempre quis rapazes, vai o universo…). Disse-me que eu tinha agora uma excelente oportunidade de criar mulheres fortes, cheias de auto-estima e amor-próprio, que o mundo bem precisava delas. Confesso que naquele momento não alcancei. Mas, hoje em dia, só posso agradecer ao universo. E o melhor é que, para isto, não preciso de manuais de instruções, livros sobre parentalidade ou mezinhas caseiras. Está tudo em mim.

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Natureza e vida selvagem: as mães vão à praia com os filhos

Férias mesmo antes dos fim das férias. 5 dias no Algarve passados entre praia, piscina e parques aquáticos. As miúdas ganharam guelras, nós não tivemos um minuto de descanso.

Já passámos por várias fases de férias na praia desde que temos filhas: a praia com bebés, que passa invariavelmente por evitar que apanhem sol e/ou que caiam à água e/ou que comam demasiada areia; a praia entre os 2 e os 3 anos, que é praticamente andar atrás delas o tempo todo e evitar que nos apanhem distraídos e a) sejam apanhadas por uma onda, b) sejam bicadas por uma gaivota ou c) façam cocó na areia, no mar ou na toalha de alguém; entre os 4 e os 6 anos é a fase melhor, pois já brincam sozinhas, fazem muitos castelos na areia – sozinhas – e, por vezes, nem querem ir ao banho porque há algas e coisas nojentas, por isso mantêm-se a brincar à sombra… sozinhas. Aqui a mãe consegue finalmente deitar-se na toalha por mais de 20 minutos e fazer coisas impensáveis como ler. O pai às vezes manda bocas, mas o livro está tão bom, que a mãe quase que nem ouve. A partir dos 7 anos há toda uma actividade física inerente a uma ida à praia: depois de 45 minutos de raquetes, rodas e cambalhotas (aposto que para o ano já há pinos), há um concurso para ver quem consegue aguentar mais batidas de raquete. Neste ponto, a mãe já só pensa numa toalha esticadinha e sem areia, mas ainda tem de ir participar num concurso de mergulhos e medições aleatórias para ver quem é que ainda tem pé onde. A mãe começa a avisar que está cansada e gostava de ir para a toalha, mas é agarrada por dois polvos que não a deixam sair do sítio e ameaçam (ocasionalmente também tentam) afogá-la. Felizmente, o pai (que devia estar a ler escondido atrás de uma rocha) chega nesta altura com as pranchas de bodyboard. A mãe aproveita a deixa e escapule-se para a toalha, correndo literalmente para o posto de segurança com a desculpa de ter de ficar alerta para a passagem da senhora das bolas de Berlim. Atira-se para a toalha, apanha um pouco de sol, mas nem 10 minutos passam antes de ouvir uma vozinha lá ao fundo que grita: “Mãe, anda, já estás seca há muito tempo!”

Nesta altura, já só a senhora das bolas de Berlim é que a pode salvar, mas nem sempre tem sorte.

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Areias movediças, ou o meu dia entre as sete e as nove da manhã

Acordo às sete, como sempre. Começo por despachar-me, enquanto a casa ainda dorme. Tomo um duche, passo creme nas pernas áridas como o Deserto de Atacama, visto-me sem grandes conceitos de moda, prendo o cabelo para não me chatear e desço ao rés-do-chão. Abro estores e portadas, dou comida ao gato, tiro os quilos de roupa interior de dentro da máquina, começo a preparar o pequeno-almoço delas. Antes de subir, ainda dou um jeito à sala e levo comigo uma série de coisas fora de sítio: um gancho, umas pantufas, uns collants, canetas de feltro sem tampa, um mealheiro. Quando chego lá acima, já a Alice acordou. Encaminho-a para a casa de banho, enquanto arrumo as coisas que trouxe lá de baixo e abro as janelas do primeiro andar para acordar a outra metade da família. Ao mesmo tempo – faço sempre tudo ao mesmo tempo – escolho a roupa da mais nova e peço à mais velha (que se arrasta da cama feita zombie) para escolher a roupa dela. Fá-lo, naquilo que pode demorar uns largos minutos, não sem antes me consultar várias vezes para saber se a camisola condiz com as calças, se as cuecas condizem com as meias, se hoje é dia de ténis ou botas, se vai chover ou fazer calor, se é dia de capoeira ou natação, e avisa-me que, a partir de agora, às segundas-feiras é dia de ginástica na escola, mas só de quinze em quinze dias, a contar a partir de anteontem – em que foi de vestido (e olha-me com um ar acusador de pré-adolescente). Justifico-me com o dia de anos da irmã, ao mesmo tempo que reflito brevemente sobre o papel que a escola desempenha na vida das famílias e concluo que facilitar-nos o dia-a-dia não faz parte das vantagens disto de assegurar a educação da prole. Ainda ontem terminámos o livro autobiográfico da Inês que tinha de ser entregue esta semana, mas ainda nos faltam um boneco de neve para decorar (com brilhantes e assim, mamã) e uma árvore de natal feita a partir de material reciclado. Para entregar até ao dia 4, não te esqueças. Antes disso, ainda há a visita de estudo, aquela que já pagámos e a outra, que não, e para a qual é preciso levar um boneco “doente”. Escolho com a Alice o boneco doente, que meto na mala dos PJ Masks, juntamente com a manta para a sesta, agora que o tempo já arrefeceu, e o livro da biblioteca. Tenho a certeza de que me esqueço de algo, mas de qualquer forma já não cabe lá nada.

Ainda no andar de cima. Tiro a roupa das camas. É dia de mudar os lençóis e é preciso relembrar a senhora da limpeza (que fez anos e tirou uma semana de férias, deixando a nossa casa num desassossego, para quem cuidadosamente embrulhei uma lembrancinha enquanto fazia o pequeno-almoço e dava um jeito à sala, uma pequena dedicatória com um beijinho) que a partir de agora as camas já querem lençóis de inverno, os quais coloco estrategicamente em cima das camas. Desço e levo os lençóis sujos para pôr na máquina, ao ombro a mala da natação que preparei entretanto, e a minha mala do desporto, para o caso de conseguir ir (não consegui). Pelo meio, arrumei uma e outra coisa, por vergonha da senhora da limpeza, escondi uma caixa com roupa de inverno que ainda não consegui distribuir pelos roupeiros e recolho os tubos de papel higiénico para fazer sementeiras.

Lá em baixo, enquanto elas comem, preparam-se os lanches e eu aproveito para tirar a loiça da máquina e dar um jeito à cozinha. “Mas a Lena não vem hoje?” Vem, mas já viste a pilha de roupa que tem para passar? Teve uma semana fora, a casa está um caos. Pelo menos a cozinha fica com um ar apresentável, para compensar a plasticina debaixo da mesa de jantar.

Pouco antes de sair de casa, é a gritaria do costume, lava os dentes, lava a cara, calça os sapatos, despacha-te, entra no carro, pega na mala, veste o casaco. Por acaso, hoje foi sem gritos, mas não me lembro bem. É que me bastou olhar para o quarto das brincadeiras, que fica mesmo em frente à porta da rua e que está prestes a atingir aquele estado impenetrável de escombros pós-guerra, e dar de caras com o saco das coisas de festa, para ter começado a pensar em tudo o que ainda tenho para fazer para a festa de anos da Alice e ter assim uma mini-crise de ansiedade. Tudo aquilo que me falta fazer. Falta-me escrever o post da Alice. Falta-me comprar uma prenda. Falta-me convidar gente. Falta-me varrer e decorar o salão de festas. Falta-me. Falta-me. As faltas são como os cogumelos que tenho a crescer escondidos na despensa: por cada tick feito, nascem uns seis ou sete. Por falar neles, tenho-me esquecido de avaliar o progresso. Mas terão de esperar. São nove da manhã e o dia só agora começou. Sento-me no carro e suspiro. Tipo…

                       Photo by delfi de la Rua on Unsplash

 

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Relembrando

O Facebook tem coisas bastante parvas e leva as pessoas a serem também bastante parvas, mas de vez em quando relembra-me bons momentos como este. Há sete anos atrás, estava grávida pela primeira vez. Às 29 semanas, sem enjoos nem ciática (santa primeira gravidez!), sentia-me a rainha do mundo, sentimento que persistiu durante mais umas largas semanas – o que neste momento me faz sentir inveja de mim própria…

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