Verão salgado

Agora que o verão parece estar a acabar, que o tempo esfriou e o vento varre os dias mais curtos, começo a preparar-me mentalmente para a triste tarefa de me despedir dos chinelos e dos calções de ganga. Sabendo que, até outubro, ainda haverá dias quentes, não deixa, contudo, de ser difícil aceitar que não tarda vem aí o frio. Felizmente, tenho vários planos este outono que atenuam a sensação de caminhar a passos largos para a noite longa e fria.

Entre as coisas que fiz este verão, contam-se ter perdido o medo à água. Não tenho grande explicação para isto a não ser terem-se criado novas ligações no meu cérebro por ocasião de uma experiência que vivi no final de maio. Porque viver 43 anos com medo do mar e, subitamente, só querer ir para o mar, qual sereia desengonçada, desafia as leis da lógica, a não ser que se tenha tido uma avassaladora experiência psicadélica… (E com esta me fico.)

Comecei por fazer snorkelling nas águas mornas de Maiorca, depois passei para natação nas águas frias de Sesimbra (natação, como quem diz, não devo ter nadado mais de 150 m antes de perceber que na piscina é tãooo mais fácil – e depois, para mal dos meus pecados, tive de voltar) e acabei a inscrever-me no curso de mergulho. Foi hoje, de modos que ainda estou assim meio abananada a pensar no que raio fui eu fazer… Talvez ande a precisar de melhorar o meu awe deficiency disorder, sei lá.

Por falar nisso, subscrevi a newsletter do Tim Ferriss. Fiquei fascinada com a entrevista dele no Huberman Lab, mas ainda não destronou a admiração que tenho pelo próprio Huberman. Das poucas paixonetas platónicas que tive por personalidades famosas, é a primeira vez que alguém me entusiasma tanto com conversas sobre moléculas, precursores de serotonina e suplementação alimentar. Começo a pensar se haverá algo errado comigo, mas talvez seja só um sinal dos tempos, ou da idade, quando nos começa a faltar pachorra para falta de substância.

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Renovação automática

Recentemente, descobri o Substack. Apesar de não ter qualquer intenção de monetizar os meus conteúdos (só falar em conteúdos, no meu caso, dá-me vontade de rir), fiquei fascinada com o aspeto da coisa e com a infinidade de possibilidades que permite. Mas depois percebi que aquilo é, essencialmente, uma plataforma para envio de newsletters e que qualquer coisa que publicasse na página principal seria automaticamente enviada para o e-mail dos meus subscritores. Não sei se será bem assim, mas foi o que me pareceu.

Ora, isto, além de eu não ter subscritores e ter de os angariar (fazer publicidade nas redes, que é o mesmo que dizer «pedinchar que me sigam»), é algo que me faz confusão. Ter uma newsletter significa que tenho, numa base regular, informações a partilhar que considero serem úteis a alguém ou, por exemplo, à promoção do meu trabalho. Ademais, significa também que os meus subscritores recebem, na sua caixa de correio eletrónico, estas informações que eu quero que eles leiam, quando eu acho que as devem ler, sem lhes dar possibilidade de escolha do quê e de quando ler. (Certo, eles podem guardar para ler depois e isso tudo, mas foquemo-nos.) É claro que, para isso, tiveram de subscrever a newsletter e ninguém lhes apontou uma arma nem os obrigou a nada. Mas faz-me impressão que seja eu a enviar-lhes os meus últimos rabiscos e não eles — como eu acho que deveria ser, tratando-se de um blogue pessoal — a procurá-los por iniciativa própria, como quem folheia um jornal à procura de um determinado artigo ou vai a uma livraria à procura de um livro para ler nas férias. Foi também por esse motivo que apaguei a página de Facebook do blogue, porque me começou a fazer impressão a necessidade de avisar para que alguém me lesse, como se dissesse, Olhem, olhem, estou aqui, vão ler-me, vá lá.

Sei que na sociedade de consumo rápido em que vivemos atualmente é assim que funciona e que só os mais rápidos e digitalmente aptos é que são vistos, mas eu também já participei, não há tanto tempo assim, na blogosfera mais lenta, em que cada um lia e escrevia ao seu ritmo, só porque sim, sem necessidade de impingir nada a ninguém. Liberdade de informação e de partilha, é nisto em que acredito, mas que se transformou em negócio e corrida às visualizações. Talvez um dia venha a mudar de ideias, talvez venha a precisar de ter uma newsletter para fins profissionais, já que parece que agora toda a gente tem uma (e um podcast, agora toda a gente tem um podcast!), mas por enquanto podem chamar-me antiga, obsoleta, fora de moda, infoexcluída, amargurada. Estou-me nas tintas.

Tanto que o domínio renovou de forma automática este sábado e, se dúvidas ainda houvesse de que manteria este estaminé de onde vos escrevo, dissiparam-se logo. Ficarei aqui por, pelo menos, mais dois anos, que é o período em que o domínio ainda é meu. Talvez o nome mude, talvez o visual seja renovado, mas o formato será o mesmo, inconstante, sem leitores, mas desinteressado e autêntico. Esta sou eu, não me imponho a ninguém. Já bastam os coitados que têm de me aturar diariamente, em carne e osso. Não desejo a ninguém.
Aqui, uma foto do meu almoço de hoje, salada de camarão com coisas. Porque se é para continuar a fazer à moda antiga, pois que assim seja.
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Please, please, please

Sempre achei que, ao regressar do Boom, depois de 6 dias a ouvir música eletrónica de todos os lados, a toda a hora, ao ponto de nos entrar na cabeça, nos sonhos, na pele, sentisse ressaca de rock, mas a verdade é que, pelo segundo ano consecutivo, dou por mim a tentar prolongar a intensidade daqueles dias. Não é raro deter-me a ver as fotos e os vídeos, atrás daquele sentimento de nostalgia, ou a procurar músicas novas no Spotify que me façam fechar os olhos e pôr-me a dançar na cozinha. Às vezes, até descubro uma ou outra música que me transporta imediatamente para a Boomland. Como esta, dos Octa Push. Em repeat incessante desde ontem.

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Coisas do fígado

Há uns meses, andava com uma dor de costas e fui fazer uma massagem. A massagista, que por sinal também fazia acupuntura e me avaliou a condição física à luz da medicina chinesa, disse-me que andava a guardar muita coisa no fígado e mandou-me fazer manualidades. Parece que o fígado precisa de momentos criativos quando anda mal dos humores.

Não lhe liguei muito (nem à acupunturista nem ao fígado), mas quis o destino que os assuntos hepáticos viessem várias vezes à baila nos tempos que se seguiram.

Hoje, ao levantar-me da cama depois de uma noite muito mal dormida, pus-me zangada com o mundo e assim me deixei ficar até a tarde já ir bem entrada. Lembrando-me do que a acupunturista me tinha dito, que a raiva se acumula no fígado e que, para a contrabalançar, temos de dar asas à criatividade, fui, mais por desespero de causa do que outra coisa, buscar um projeto faça-você-mesmo por terminar e dediquei-me à sua finalização. Ouvi um podcast inteiro enquanto acabava de fazer upcycling ao candeeiro do nosso quarto e, depois de o pendurar e concluir que até ficou giro, fui para a cozinha fazer o jantar. Tinha comprado, ao preço do ouro, uns lombos de salmão e fi-los como sempre os faço, que é em papelotes, com alho francês, cebola e tomate. Enquanto coziam, fiz esparregado e improvisei uma sopa de couve-flor, mas sem ser em creme, que as miúdas não gostam de sopa passada (mas também não gostam de couve-flor, como bem me recordaram depois). Pus a mesa lá fora, fui buscar os pratos da Bordalo e até os talheres do peixe, como as pessoas chiques.

Quando nos sentámos à mesa, percebi que tinha recuperado a boa disposição. Não sei se foi das manualidades, se foi porque o jantar até nem estava mau e a sopa foi elogiada pelo outro adulto, o certo é que tanto eu como o meu fígado ficámos mais apaziguados.

Esta noite havemos de dormir bem.

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Errata

O meu primeiro bilhete de identidade veio com o meu nome mal escrito. Apesar de o meu pai ter pedido à senhora do guichet, olhe, veja lá se não se enganam no nome da miúda. Enganaram-se. O meu pai teve de tirar outra manhã de férias, eu tive de faltar à escola e lá fomos outra vez para Vila Franca de Xira, plantarmo-nos à porta da conservatória, para emendar um erro que não foi nosso.

Erros destes com a minha identidade sucederam-se ao longo da minha vida. As pessoas, para não admitirem o seu erro ou ignorância, disseram-me as coisas mais descabidas. A melhor de todas foi na biblioteca de Alenquer, em que teimaram que eu é que me tinha enganado a escrever o meu próprio nome. Nunca mais ninguém me voltou a dizer tamanho disparate. Normalmente, o erro é do sistema, ou do corretor, nunca de um dedo demasiado diligente.

Portanto, desde que comecei a traduzir e a rever livros e a ver o meu nome na ficha técnica que temia o dia em que iria abrir o livro e ver o meu nome mal escrito. É claro que faço sempre um disclaimer no primeiro livro que traduzo para uma editora. Por favor, atenção ao meu nome, o corretor ortográfico costuma corrigir automaticamente. Mas, ao segundo livro, relaxo. Já me conhecem, já não é preciso avisar…

Normalmente, o livro chega por correio, eu abro-o, confirmo que está tudo bem, volto a fechá-lo, ponho na estante e nunca mais olho para ele. Até ontem. O dia em que abri um livro e não estava tudo bem.

Fiquei doente. O livro como carvão incandescente nas minhas mãos. Avisei a editora. Lamento imenso, não sei como passou. Mas a verdade é que passou. Falei com a revisora, que me ajudou a tentar perceber a cadeia de acontecimentos.

Não me apetece deixar cair o assunto assim tão facilmente, quero chamar os responsáveis à razão e garantir que não volta a acontecer, nem a mim nem a mais nenhum desgraçado com um nome a que «faltem» letras. Provavelmente, a pessoa da paginação ou da gráfica, zelosa, achou que estaria a fazer um bem à humanidade ao inserir aquele cê que faltava. Por causa disso, tenho agora dois livros em casa que identificam uma tradutora que nada me diz. Fora estes dois, que vou devolver à editora, existem mais não sei quantas centenas de fraudes iguais pelas livrarias do país. Possibilidade de emenda, só com nova impressão.

O meu marido acha que estou exagerar, porque sempre fui picuinhas com o meu nome, complexos e mais não sei quê. Outra amiga também acha que não é caso para tanto, a ela também se enganam amiúde no nome. Pois, mas num livro? Na prova de trabalho?

Estarei a ser mimada ou será simplesmente uma questão de direitos? Qual será a melhor postura profissional? Deixar cair o assunto e ressalvar, na próxima tradução, a necessidade de atenção redobrada do nome da tradutora? Ou insistir que não se trata apenas de uma questão de pronúncia ou preferência, e que nem todas as pessoas envolvidas na cadeia de produção de um livro traduzido têm o direito ou competências para fazer alterações depois da revisão? Se tivessem escrito mal o nome do autor, estava o caldo entornado, mas o do tradutor pode passar, uma palmadinha nas costas e fica tudo bem? Serei só eu a ver o quão errada está esta mentalidade?

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