Uma actividade tão simples

Este mês, o tema na escola da Alice são os oceanos. Num impulso, ofereci-me para ir ler a história do Peixinho Maroto e os Seus Amigos que é uma das preferidas da Alice. Como só ir ler uma história não tem graça, num serão preparei uma actividade gira e simples, sem necessidade de coser ou de possuir grandes dotes para além de saber recortar.

Inspirei-me num poster do mundo aquático que veio na National Geographic de há uns meses e decidi fazer o mesmo, mas em feltro.

A única coisa que comprei foi um rectângulo de feltro de cor azul-do-mar-das-Maldivas, o restante feltro tinha-me sobrado do Quiet Book. Descarreguei imagens gratuitas de vários peixes e outras criaturas marinhas (por exemplo, estas), imprimi e passei por cima do feltro. Depois foi só recortar e colar alguns olhos que também me tinham sobrado do Quiet Book, para dar mais autenticidade à coisa. Seguindo o pressuposto de que feltro cola com feltro (ou com flanela, mas não tinha nenhuma azul), não é preciso mais nada para pregar os peixes ao fundo azul.

Não tenho fotos do processo e durante a actividade não tive tempo para tirar fotos, mas posso garantir que os miúdos adoraram e a minha Alice saltitava de contente, como se tivesse molas nos sapatos – acho que mesmo que a mamã dela fosse lá só para falar sobre o funcionamento de uma retroescavadora, ela ia delirar à mesma!!

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A coragem também é cor-de-rosa

Quando soube que o meu segundo bebé era uma menina, chorei. Porque sempre quis ter apenas meninos e não sabia o que fazer com meninas. Como educá-las a não serem umas parvas histéricas. Como aceitá-las parvas e histéricas. As minhas duas filhas, às vezes, são um bocado histéricas. Como são minhas filhas, é óbvio que não são parvas, mas às vezes são um bocado histéricas. Aceito bem isto, assim como há muito que aceitei o meu desígnio em ter duas mulheres para educar, com tudo o que isso implica: dar-lhes força, ensinar-lhes a ter coragem para serem livres, neste mundo em que a liberdade é dos homens. Ou das galdérias.

A mais velha é muito menina, se é que se pode dizer isto sem preconceito. Gosta de saias de tutu, de cor-de-rosa, de brilhantes e de coisas de menina. Nós tentamos dizer-lhe que não há cá isso de coisas de menina ou de menino, mas ela teima muito na distinção. Penso que a escola deve ter tido um papel preponderante nesta forma de pensar, se cá em casa nunca se fez essa distinção, mas isso daria outro post.

Saiu da aula de Jiu-Jitsu porque só havia meninos. Foi para o ballet. Não quis ir aprender a fazer surf porque é coisa de menino. Aprendeu a andar numa bicicleta cor-de-rosa. Agora que começou a andar nos patins da Luna, o pai quer mesmo é ensiná-la a andar de skate. Só que há um problema: é “coisa de menino”. Assim, durante a semana passada, todas as noites depois do jantar, vimos os vídeos das meninas dos skates cor-de-rosa, três miúdas de seis anos, como ela, que adoram vestir-se de cor-de-rosa e fazer skate. O vídeo começa com elas a pintar as unhas num skate park, antes de pegarem nos skates e irem por ali abaixo. O vídeo é este e é uma delícia.

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Em Dezembro, levámo-la a ver Capicua no CCB. Foi o seu primeiro concerto e espero que um dia mais tarde nos agradeça por isso. Sei que não deve ter percebido um terço da mensagem de força, união feminina e reivindicação pelos direitos das mulheres que as músicas de Capicua transmitem, mas chega-me o conforto de lhe ter mostrado como as mulheres sobem ao palco para falar (tão bem) de liberdade.

Há dois dias, enquanto víamos as notícias dos protestos nos Estados Unidos por causa da tomada de posse do Trump, perguntou se, caso morássemos no país daquele presidente novo, iríamos gostar dele. Respondemos os dois ao mesmo tempo com um redondo não. Para que não restassem dúvidas. Para que ela perceba que não se pode apoiar alguém anti-liberdade, que acha que as mulheres, os negros e os estrangeiros são inferiores. Hoje voltámos a ver as imagens na televisão de milhares de mulheres na rua a manifestarem-se contra este presidente que não gosta delas, e como tantos homens se lhes juntaram nos protestos. E voltámos a falar sobre isso. Eu não estive lá, mas gostaria de ter estado. Por todas as mulheres do mundo. E é nestas alturas que mais sinto a responsabilidade a pesar pelo desígnio que me foi dado com as minhas duas filhas nascidas mulheres em mundo de homens. Só espero estar à altura.

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Nós os quatro

Este foi o ano em que deixei de ter filhas bebés. Ia dizer que não sei como isto se deu, mas é mentira. Tudo começou com o desfralde da Alice e a decisão da própria em dar as suas duzentas chuchas às gaivotas que um dia sobrevoaram a nossa casa, menos a chucha preferida que guardou para dar ao Pai Natal. Um dia, depois do cinema, viu o Pai Natal num centro comercial e quis ir dar-lhe a chucha. Previ noites horríveis de choro desalmado a implorar pela chucha, mas isso nunca aconteceu. Nunca, o que é mais uma prova de que os filhos nos surpreendem e têm mais força do que a que vemos neles, os nossos eternos bebés que vão precisar sempre da nossa ajuda e protecção. A mais velha, que entrou este ano na escola e desabrochou, já fez 6 anos. Com a idade chegam também as perguntas difíceis (sobre tornados e assim) e o entendimento de como funciona o mundo, como por exemplo, os Pais Natal dos centros comerciais são só avozinhos e se calhar até são os pais que nos compram as prendas (mais perguntas difíceis). Pergunta-nos ainda quando é que pode começar a ir sozinha para a escola para poder ter um telemóvel. Ai.

Entramos numa fase gira: a fase dos jogos de tabuleiro depois do jantar e das histórias que ela já quer ler sozinha. Cada vez se entretêm melhor as duas, cada vez gostam mais uma da outra mas, às vezes, também se picam e irritam. É normal, dir-me-ão vocês, e com direito que não tive irmãos. São diferentes, elas. Se a mais velha é mandona, a mais nova já não deixa que lhe façam farinha. E nós, que às vezes parecemos meros peões neste jogo de forças, temos de as ir deixando resolver os seus problemas sozinhas, mesmo que às vezes pareçam problemas sem fim nem solução. O fim do mundo. A calamidade.

Há uns tempos achei que ainda faltava alguém nas fotografias. Mas hoje em dia não estou tão certa. Talvez quando a mais nova me deixar de pedir colinho (“Eu quero a ti”) me volte a coragem que me tem faltado. Ou se calhar não é uma questão de coragem, mas só de vontade. Vou adiando o desejo de ter outro bebé, porque às vezes, penso mesmo que se melhorar, estraga. E vou deixando que esta decisão difícil escorra pelos dedos como areia da praia. Somos capazes de estar bem assim.

 

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Uma espécie de ode às mães solteiras

Estive nove dias sozinha com as minhas filhas enquanto o pai delas percorria o caminho de Santiago a pé. Durante os nove dias em que estivemos sozinhas, foram várias as pessoas que nos ofereceram ajuda ou que nos perguntavam quase diariamente se estávamos bem. Se por um lado isto me comove, por outro lado espanta-me a descrença de algumas pessoas de que uma mãe consiga (e queira) cuidar dos seus filhos sozinha durante 9 dias. Recusei amavelmente as ajudas, não por ser arrogante, mas porque francamente não era preciso. Não há nada de sobre-humano nisto. Não é fácil, a quem quero eu enganar, mas sendo eu mãe delas, porque não hei-de eu ser capaz de cuidar delas quando o pai não está? Porque hei-de eu sobrecarregar outras pessoas, suponhamos os avós, para me livrar eu deste fardo que são as minhas filhas – que eu escolhi ter e por quem sou responsável?

Não foi fácil, não quero mesmo enganar ninguém, mas fez-se. À minha maneira, que não é nem pior nem melhor do que outras maneiras de educar, mas que resultou. Alimentei-as, mantive-as limpas, cortei-lhes as unhas, dei-lhes miminhos, fui com elas à natação, ao cinema, fizemos bolachas (esta parte era perfeitamente dispensável, tanto que nem correu assim tão bem…), mudei vários lençóis de chichi a meio da noite, fiz os tpc com a Inês, nunca chegámos atrasadas à escola e ainda fizemos manualidades (ou crafts, para parecer que sou daquelas mães dos blogs) enquanto eu fazia a bainha aos cortinados. É claro que nem tudo correu bem. A bainha dos cortinados ficou torta e a Inês faltou à ginástica porque eu tive reunião na escola. Houve também uma noite em que fui para a cama inquieta por ter sido má mãe. Mas os dias seguintes funcionaram sempre muito bem como uma espécie de reset, de relógio que parou e se volta a dar corda, de energias renovadas. Ainda assim, nestas alturas penso sempre muito nas mães solteiras e pergunto-me se a elas também oferecerão ajuda e perguntarão se está tudo bem? É que comigo foram só nove dias. Com elas, é uma vida inteira.

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