Sobrevivência das espécies

Faz este mês um ano que aluguei este escritório. Já tive a secretária em vários sítios, já por cá passou uma estagiária, já tive a companhia temporária do Tiago e vou tendo as minhas filhas em dias de greve. Mas na maior parte dos dias, estou sozinha, que é como gosto de trabalhar.

Sendo o meu o escritório mais pequeno do meio, sem janelas directamente para a rua, a luz natural que entra acaba por depender da luz dos restantes escritórios. Da parte da manhã, a luz entra pelas traseiras, da parte da tarde, vem do lado da frente. Até agora, tinha tido a sorte de um dos escritórios estar vago há muito tempo e, por isso, poder usufruir da luz sem obstáculos e com toda a privacidade. Só que quando cá cheguei esta segunda-feira, e sem pré-aviso, tinha toda a privacidade do mundo, mas nem um único rasgo de luz natural. Os novos ocupantes do escritório da frente lembraram-se de tapar as janelas interiores que dão para o meu escritório com estores pretos opacos. Parecia que estava a trabalhar dentro de um caixão. Bastou uma manhã para perceber que assim não ia longe.

Estava já a ponderar começar à procura de outro escritório, quando caí em mim. Espera lá, tu já cá estás há um ano. Quem chega tem de respeitar quem já cá está. Tem de haver outra solução que não passe por seres tu a sair. Pus a minha cara mais simpática e fui falar com eles. Tive o cuidado, contudo, de não ser simpática demais, mas sim assertiva, que é algo que ainda estou a aprender a ser. Apresentei-me, dei-lhes as boas-vindas e perguntei se era mesmo necessário terem aqueles estores sempre para baixo. Percebi que era uma questão de salvaguardar a privacidade dos comerciais. Expliquei que, apesar de entender o ponto de vista, assim retiravam-me toda a luz, o que me retirava também um pouco da alegria de viver – esta parte guardei para mim. Talvez pudéssemos arranjar um compromisso que agradasse a todos? Eles ficaram de arranjar uns grampos para segurar os estores das janelas do meio e eu, durante a hora de almoço, tratei de mudar a disposição da minha secretária longe de olhares alheios (os meus e os deles).

O resultado foi muito melhor do que pensava. Não só fiquei com uma secretária muito maior (juntei as duas que cá tinha), como me mudei para a zona, agora, com mais luz. Os senhores novos cumpriram o prometido e no dia seguinte levantaram os estores das janelas do meio. A minha mini copa está agora mais refundida (já não é a primeira coisa que se vê), tenho um espaço para atender os raros clientes que cá vêm e um espaço ao meu lado para a Inês ficar a “trabalhar” ao lado da mãe, como tanto gosta. No fim, aquilo que me pareceu, de princípio, uma total desconsideração, acabou por me ajudar a ter um espaço mais funcional e agradável à vista. No fundo, isto só aconteceu porque eu vi a solução em vez de só ver o problema. Nem sempre consigo. Às vezes, é só uma questão de não ficar sem ar no meio dos problemas. Basicamente, trata-se de ir sobrevivendo .

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