Quarenta e um

Escrevo-vos com 41 anos. Os sinos não repicaram, nem fui notícia no diário da terra, mas tive um dia muito bem passado em que me encheram de mimo e eu enchi a pança, a ponto de me sentir qual lobo mau a quem coseram a barriga cheia de pedras para que se afundasse no rio. Não me afundei, felizmente, só precisei de alguns dias para me recompor da azia. Parece que tudo demora mais a passar a partir de uma certa idade: uma gripe, uma ressaca, um repasto mais abundante; só o tempo passa depressa – sinal disso é que já levamos mais de um ano em pandemia e cá andamos a tentar, pela segunda vez, voltar à normalidade como se fosse a primeira.

Desde que voltei às redes sociais, depois da minha quaresma digital, tenho lido muito menos blogues e deixei de fazer aqui o meu registo fotográfico da semana ou de escrever os meus “diários”. Ocasionalmente, lembro-me de que gostava de vir aqui falar das coisas simples, contar como correm os dias, fazer o relato da horta ou das coisas saudáveis que tenho andado a comer (ando obcecada com a confeção da crepioca perfeita, mas poupo-vos a uma série de considerações a esse respeito). Mas nunca venho, porque ando ocupada com o meu trabalho, com a horta, com os treinos, com os meus cozinhados, com as miúdas, com o esquentador, que está sempre a fazer das suas, com a gata e as pulgas que traz para a cama da Alice e com o carro velho, que adora prender-me no interior, e o novo que só chega no outono. Na minha ausência, a vida continua, a minha e a dos outros que, da sua, nos deixam ver aquilo que querem que vejamos. Já eu sou muito transparente e sei que isso também não é bom, mas não é coisa que a idade me tenha ensinado a mudar. Acho que vou ser sempre assim: uma porta escancarada. Entrem e ponham-se à vontade.

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