Falta de ar

Talvez haja uma justiça na mão que dá e depois tira. Talvez tenha o divino propósito de te ensinar alguma coisa, de não deixar que te acomodes nas fases boas da vida. Se tiveste um primeiro semestre espectacular, cheio de emoções fortes, amor e sucessos profissionais, pois, muito bem, aperta o cinto, porque te aguarda um segundo semestre que te vai arrastar em turbilhão na direcção oposta, tirar-te o ar do peito, sugar-te a energia do corpo e a vontade do espírito, um segundo semestre de tensão, conflito e mágoa. Vais-te lembrar de coisas que tinhas recalcadas, reprimidas, engavetadas no baú poeirento dos confins da memória, e vais ver-te aflita para tentar perceber o que fazer com elas, qual última depositária da batata quente que te queima os dedos. Procuras respostas. Voltas ao psicólogo. Viras-te, quase desesperada, para a espiritualidade e descobres nela um certo conforto, mas envergonhas-te. Procuras actividades que te limpem a alma e ponham a mente em standby, que não te façam pensar nas coisas. O trabalho não te traz paz, pelo contrário, deixaste de ter prazer nele. Queres mandar os clientes às urtigas, acabar com tudo, tirar um ano sabático e viver do ar e do sol. Lembras-te do blogue, pensas em voltar a escrever, talvez te ajude a arrumar ideias, em jeito de terapia, mas deixaste de te identificar com o nome, já nem sabes se alguém te lê, e quem, e isso é coisa para te aumentar a ansiedade. Não queres que te volte a faltar o ar agora, este fim-de-semana não, a tua filha faz 9 anos. Fica para depois, pensas nisso depois. Agora, bebe o vinho.

Posts relacionados

1 comentário

  1. Eu continuo a ler, desde as Bolas de Berlim. Se é boa terapia, continua, pois há quem leia e se identifique nas palavras.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *