A minha experiência em Plum Village – chegada e primeiras impressões

Quando voltei do retiro de meditação em Plum Village, que fiz durante a semana da Páscoa, houve muita gente que ficou curiosa e me mandou mensagens a pedir mais informações sobre o retiro. Prometi que falaria aqui no blog sobre a minha experiência, mas não estava a conseguir pôr por palavras aquilo que lá vivi. Apesar de não ter sido, de todo, uma experiência mística, transformadora de vida, sinto que me despertou a minha espiritualidade adormecida, me deu algumas ferramentas para lidar com algumas situações do dia-a-dia e, por ter sido uma experiência tão diferente daquilo a que estava habituada, há-de ter mudado algumas coisas em mim, nem que seja a forma como encaro certas coisas ou como passei a compreender melhor as minhas atitudes.

Devo referir, antes demais, que a procura por um retiro deste tipo é sempre motivada por questões muito pessoais. Mesmo que soubesse, não vos ia dizer o que me levou a fazer um retiro deste tipo, mas deve ter sido algo muito forte, porque sinto que foi na altura certa e o retiro certo. Eu não queria um retiro só de yoga, nem um retiro exclusivamente de silêncio, e procurava algo com duração superior a um fim-de-semana e inferior a 10 dias. Com tanta oferta que há por aí, sentia-me um pouco perdida, mas  o Tiago mostrou-me o documentário Walk With Me e fiquei convencida. Este documentário retrata o dia a dia da comunidade fundada por Thich Nhat Hahn, o monge budista do Vietname que foi proclamado Nobel da Paz em 1967 pelos seus feitos em prol da paz no Vietname. Thich Nhat Hahn, carinhosamente chamado de Thay (“Professor” em vietnamita) pelos seus seguidores, pediu exílio em França, onde fundou a comunidade que é hoje constituída por três mosteiros: Upper Hamlet (para monges e leigos residentes, onde Thay vive), Lower Hamlet (para monjas e leigas residentes) e, mais afastado, New Hamlet (também  para monjas e leigas residentes), onde eu fiquei. Confesso que as denominações Upper e Lower me pareceram um pouco sexistas, mas depois percebi que se chamam assim simplesmente devido à sua localização geográfica: Upper Hamlet fica na colina, ao passo que Lower Hamlet fica no vale dessa colina. Ainda assim, pareceu-me que fiz uma boa escolha ao ter elegido o New Hamlet. Lower Hamlet deu-me a impressão de ser uma comunidade mais aberta, com um carácter de comunidade mais “hippie” por albergar muitos residentes leigos de longa duração (alguns vivem e trabalham lá há mais de três anos), ao passo que New Hamlet é constituído quase exclusivamente por monjas e tem, por isso, um carácter mais rígido de templo. Isso soube-me bem. Não sei se, ao procurar reclusão e quietude, me iria dar bem com um ambiente ao estilo Woodstock (passo o exagero)…

Os retiros são sempre de sexta a sexta e chegar lá é uma odisseia: avião para Bordéus, autocarro para a gare de St. Jean, depois comboio para Saint Foye la Grande, uma terriola a hora e meia de Bordéus, e depois ainda é necessário apanhar o transfer organizado pelo mosteiro, pois os hamlets ficam a vários quilómetros de distância. No meu caso, não tive direito a transfer, porque cheguei depois do último autocarro, e tive de organizar um táxi, que me teria ficado muito caro não fosse dar-se o caso de eu ter perdido o comboio, logo, também o táxi previamente combinado. Tive de ficar à espera de novo táxi e, por isso, acabei por conhecer pessoas a quem também sucedera o mesmo e com quem acabei por partilhar o táxi. Deu para dividir custos e conhecer logo pessoas que iam fazer o mesmo retiro, no mesmo hamlet.

Chegámos a New Hamlet eram 21 horas. Assistimos ao pôr do sol durante o trajecto, apreciando a paisagem magnífica do sul de França. Foi, assim, num estado de deslumbramento que cheguei a New Hamlet. A primeira imagem que retive foi a de uma monja que nos veio receber ao portão: o seu andar calmo e lento, a sua postura tranquila e inabalável, o seu meio sorriso no rosto, as suas vestes castanhas e a cabeça rapada debaixo do gorro fizeram-me logo perceber que tinha chegado a outra dimensão. Ali, não eram as pessoas que andavam mais devagar. Era o próprio tempo. Mas só no dia seguinte viria a perceber a importância de não ter pressa. Por enquanto, limitaram-se a fazer o nosso check-in e a conduzirem-nos ao nosso alojamento. Já estávamos em cima da hora de recolher e havia que respeitar o “noble silence”.

A casa onde viria a dormir (chamada “Gate House”, por ser a primeira) durante a semana seguinte ficava a cinco minutos a pé (a andar devagar) e era uma casa modesta de dois andares e vários quartos compostos por três a oito pessoas. Cada quarto tinha um nome e quando vi o nome do meu quarto quase me deu vontade de chorar: “Aspen – Let Go”.  Let go – deixar ir aquilo que não me serve, não me apegar a pensamentos negativos – é uma das coisas que tenho tentado alcançar nos últimos tempos, com pouco sucesso, diga-se de passagem. Lá dentro, esperavam por mim as minhas companheiras de quarto, com quem me dei logo muito bem: uma senhora mais velha francesa, muçulmana simpatizante de todas as outras religiões, que falava muito mal inglês e me obrigou a reavivar o meu francês, e uma alemã de Berlim de quem gostei logo muito e com quem estabeleci uma grande cumplicidade.

Não dormi muito bem nessa noite. O colchão era mau e a expectativa do que me esperava grande. Estava ali para aquilo. Levei apenas livros sobre mindfulness e sabia que ia ficar sem telefone (tinha mudado de operadora e não recebera o cartão SIM a tempo, por isso era inevitável ficar sem telefone durante essa semana, como se viria a comprovar). Por isso, seria uma experiência de imersão total. Acho que, se fosse de outra forma, não valeria a pena. Estar longe da família, ficar incomunicável e gastar um bom dinheiro para estar ali tinha de valer a pena. Podia não ter valido. Mas, acreditem, valeu cada tostão e cada mensagem que não troquei.

Continuação nos próximos dias

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