As barbies e as outras

No outro dia, mesmo que já tenha sido há umas semanas, continua a ser no outro dia, enquanto andava à procura de uma prenda para a Alice (que ainda está na fase das bonecas a quem já deixou de cortar o cabelo), passei por umas barbies daquelas que há agora em tamanho XXL. Achei-as estranhíssimas e passei à frente. Mas voltei atrás. Teria eu antipatizado imediatamente com uma boneca por representar uma mulher gorda? Não podia ser, tinha de perceber melhor. Olhei bem para elas todas, eram uns 3 ou 4 modelos, e percebi o que todas tinham em comum para além das formas avantajadas: estavam todas mal vestidas, com roupas largueironas, feias (aquilo a que chamamos de trapos) que lhes ficavam mal e não as tornavam nada atractivas. Ao lado, estavam as barbies a que sempre nos habituámos, as de cintura fina e cabelo sedoso, roupas elegantes e acessórios glamorosos. As magras, super glamorosas. As gordas, umas trapalhonas (de trapo). Devia ter tirado uma foto, mas estava com pressa e só voltei a pensar nisto mais tarde.

Isto incomoda-me bastante. Há uma tendência generalizada que todos aceitamos como normal que é a de nos fazerem crer que temos de esconder aquilo que foge aos parâmetros normais, sejam os cabelos brancos, as rugas, seja um corpo com medidas diferentes às que alguém ditou como aceitável. E nós aceitamos que nos digam o que devemos aceitar.

Eu não sou gorda. Já fui. Emagreci porque adoptei um estilo de vida saudável na sequência de um diagnóstico de saúde alarmante para a idade que tinha na altura. Faço desporto porque preciso, mas entretanto aprendi a gostar e a integrá-lo na minha rotina de tal forma que me sinto mal se a quebro. Portanto, não sinto que tenha de esconder gorduras. Também não sinto que tenha de esconder os brancos. Já deixei de pintar o cabelo e voltei a pintá-lo, porque não gostei de me ver assim. Foi um teste, um ano e meio sem pintar, mas houve um dia em que olhei para o espelho e vi uma mulher muito mais velha que não corresponde à forma como me sinto. Por agora continuo a gostar de mim morena.

Mas durante muito tempo senti que tinha de esconder a minha perna dos outros. Ainda sinto, vá. Mas estou muito melhor. Ainda assim, com toda a ajuda e força de vontade, não creio que algum dia me vá ser completamente natural escolher um vestido pelo joelho só porque me apetece, sem contar com os imponderáveis (dos quais podia fazer uma lista). Por sorte (ou resultado de um grande trabalho interior), tenho uma parte de mim muito “fuck society” que me faz revoltar-me perante as imposições da sociedade. Mas quem é que decidiu o que é que eu posso ou não usar? Mas quem é que me diz como é que eu me devo sentir? Não gostam? Pois não olhem. Eu tenho tanto direito a estar aqui – e a vestir-me como quiser – como vocês todos. Como resultado destas reflexões, nem sempre por esta ordem, costumo mandar a “sociedade” para aquela parte, ponho uma saia, levanto a cabeça, endireito as costas e atravesso na passadeira (atravessar na passadeira de saia sem sentir que ia desfalecer foi uma das grandes conquistas deste meu processo, é engraçado, porque a maioria das pessoas atravessa na passadeira sem pensar, os que uns dão como garantido, a outros dá uma grande trabalheira).

Gosto desta fase. Sinto-me livre.

Mas a fase “fuck society” não dura o ano todo. Talvez lá chegue um dia. Por agora, ainda tenho a fase oposta, em que tenho de me contrariar constantemente. Na fase em que me encontro desde antes do dia em que vi as barbies gordas, estou a passar por um bloqueio com determinadas aulas no ginásio que me transportam aos tempos da C+S. Volto a ser a miúda que nunca é escolhida para as equipas, que fica sempre para o fim, ela e os gordos. Eu e as barbies gordas. Deixei de ir a essas aulas, mas causa-me uma grande angústia (o porquê de ter deixado de ir, claro). E depois vejo bonecas à venda que se supõem ter como objetivo quebrar barreiras e estereótipos vestidas da forma como a sociedade acha que elas se devem apresentar de acordo com o seu tipo de corpo. E isso enfurece-me.

Com isto tudo, fico a pensar se deveria ter comprado o raio da boneca…

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