Coisas sérias

Foi precisa uma coisa séria para me trazer de volta ao blog.

A minha vida está cheia de coisas sérias, que não me tomem por leviana. Mas as coisas sérias da minha vida têm a vantagem de poderem ser, melhor ou pior, controladas por mim. Dependem de mim, fui eu que as desejei ou que, mesmo não desejando, causei. O que não quis ou causei foi o coronavírus que pôs a Europa, o mundo, em polvorosa. E o pior é que não consigo controlar nada disto. Fora o isolamento voluntário a que já nos submetemos em família e as medidas de higiene sempre que os adultos tiverem mesmo de sair de casa, resta-nos esperar: esperar que passe e esperar que passe ao lado, que não nos afecte directamente, a nós ou a nenhum dos nossos, pais, sogros, tios, primos, amigos, vizinhos.

Os últimos dias foram de grande angústia. A cada hora havia novidades. A cada hora as medidas de contingência aumentavam. A cada hora estávamos cada vez mais cientes da nossa fragilidade. Quase que chorei por ver que as minhas filhas têm de viver isto. E isto assusta-me. Não me assusta ter de ficar em casa e tentar não puxar os cabelos a ninguém ao fim de três dias. Não me assusta não poder sair, ir ao ginásio, ir beber um copo, ir ao parque com as miúdas. O que me assusta é a fragilidade humana.

Isto vai passar, é verdade, não é uma bomba atómica, não é uma guerra mundial, não ficámos desalojados nem somos obrigados a atravessar o Mediterrâneo num barco sobrelotado com as nossas filhas. Penso nisso, penso nelas, tão seguras no seu “isolamento voluntário”, com um quarto cheio de brinquedos para que não se aborreçam, com a despensa abastecida com todo o tipo de comida para que nunca passem fome, com uma lista de actividades para as próximas semanas para que se façam umas mulherzinhas. Penso em nós, em termos globais, como andamos sempre tão à vontadinha, a achar que nunca é connosco, que nunca nada nos afecta, que não é preciso repensar a forma como fazemos lixo porque a destruição do planeta ainda é uma miragem, que mais vale ir à praia do que ir votar porque, de qualquer maneira, é tudo uma cambada, que não precisamos de ser cívicos ou viver bem em comunidade, porque só temos um umbigo e é nosso.

Isto – o que estamos a viver agora – (ainda) não é nada. Não é nada em comparação com a Peste Negra ou com o que se deve viver nos campos de refugiados na Grécia. Não é como se vivêssemos na iminência de os Nazis nos virem arrancar de nossa casa para nos mandarem para um campo de concentração ou nos matarem ali mesmo. Não é nada disso. É só ficar em casa durante algumas semanas e seguir o mínimo dos mínimos. Resguardarmo-nos. Proteger os nossos dos outros. Proteger os outros dos nossos. É só isto. Mas pode ser que seja o que fazia falta para nos pôr a repensar a nossa forma de viver aqui, como um todo. Porque a mim já está a dar que pensar. E ainda agora começou.

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