Diário do isolamento #4

Estás em confinamento há 25 dias e esperas pelo resultado do teste há cinco. Já perdeste a conta à quantidade de fases por que passaste; só desde que fizeste o teste foram três. É normal que comeces a sentir pena de ti própria e as conversas de “isto é uma oportunidade que nos foi dada para sermos pessoas melhores” revolvem-te as entranhas. Quando pessoas que até tinhas em consideração se põem com essas conversas nas redes sociais, ainda ensaias umas respostas, mas acabas por deixar passar. Foi-te dada a oportunidade de não te deixares afectar, é o que é.

A espera faz-te sentir preguiça; tira-te a vontade de fazer seja o que for que não inclua comida e bebida. Por bebida, entenda-se algo com grau alcoólico suficiente para fazer as vezes de relaxante muscular. Para além disto, tiveste o pior dia de trabalho dos últimos meses (pior mesmo de mau e não de inexistente), por isso vá, enche o copo.

Quando acordas no 26.º dia, já tens a mensagem no telemóvel. Não percebes bem quando chegou, porque já estavas sentada ao computador quando te apercebes. Tinhas prometido ao marido que liam a mensagem juntos e ainda esperas um bocadinho, porque ainda nem são sete e meia, mas começas a ficar nervosa e vais ao quarto. Abrem a mensagem no escuro dos lençóis. Não sabem bem o que querem; se querem que dê positivo porque os sintomas foram leves e assim se contribuía para a imunidade da nação, se querem que dê negativo para aliviar as medidas de isolamento dentro de casa.

A mensagem diz:

ANALISE: Pesquisa de Coronavirus (COVID-19) [PCR]
RESULTADO: Não detectável

Achas que ficaram contentes. Pelo menos, tu ganhas subitamente vontade de fazer coisas. As tuas filhas acordam à vez e reagem à notícia com a ternura que é própria de cada uma. A mais nova dá saltos de contente e abraça-se a ti, porque ela gosta muito de abraços e beijinhos e já andava farta de te abraçar a barriga das pernas; a mais velha é menos efusiva, mas vai buscar um papelinho que guardou, há dias, “num sítio especial” a pedir a alguém ou alguma coisa para a mãe não ter o coronavírus dentro dela. E não é que resultou?

O resto do dia é passado sem grandes percalços enquanto esperas que te resgatem 21 mil palavras perdidas na cloud e te salvem o mês. As miúdas já podem, por fim, ir ao quintal e hoje quem vai ao lixo és tu. Está a ser um bom dia.

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