Inventário

Janeiro longo, com mais braços do que um polvo, já ficou lá atrás. Entrámos em fevereiro com um teste positivo à covid. Mais sete dias de isolamento, que, só por si, nem são muitos, mas se lhes acrescentarmos todos os dias que vivemos isolados nos últimos dois anos, perdemos a conta ao desespero. «Farta desta merda», como diz nos bordados do Hardcore Fofo, que um dia ainda hei de comprar e vestir, orgulhosa, em  jeito de protesto silencioso e sem destinatário específico.

Os dias em isolamento sucedem-se sem novidade nem vontade. Faço autotestes por recreação. Leio muito pouco. Obrigo-me a jogar Monopólio e a fingir que gosto. Penso muitas vezes em escrever, mas o único diário que mantenho é o do sono, que já me permitiu chegar à bela conclusão de que nunca duvidei: durmo mal e não creio que haja muito a fazer sem químicos. Mas lá vou tentando com coisas naturais, mais que não seja para, um dia, poder dizer que tentei.

Mas não foi um mês perdido. É verdade que não cumpri escrupulosamente tudo aquilo a que me propus, mas, dado tudo o que podia não ter feito, acho que fui relativamente bem-sucedida em algumas áreas. Por exemplo, não fiz 30 dias de Yoga with Adriene, mas fiz 20. Caramba, 20 dias de ioga num mês! Nem quando estava inscrita duas vezes por semana eu fazia tanto ioga! Depois, fiz batota no Dry January e bebi aos fins de semana, mas de forma consciente, e só bebi 5 vezes em 31 dias. Nada mau. Também não comecei nenhuma dieta, mas deixei de comer pão branco e outras coisas à base de farinhas, obrigo-me a beber, pelo menos, litro e meio de água, e isto, só por si, ajudou-me a perder aquele excesso do final do ano sem sacrifício. Voltei a costurar, mesmo que me tenha ficado pelos guardanapos de pano e por uns quadrados para a manta de retalhos que vou fazer um dia. Aconteceram mais coisas, mas receio que este não seja o sítio.

Para fevereiro não sei o que quero. Sair de isolamento era bom. Acordar e perceber que o Chega ser o terceiro partido com maior assento parlamentar não tinha passado de um sonho mau seria espetacular. E saber quem foram os 77 paspalhos que votaram neles na minha secção de voto também dava jeito, porque a terra é pequena e de certeza que me cruzo com com um ou outro diariamente e até lhes digo bom dia.

Continue Reading

Planos

Ando farta desta merda.

Porra.

Há um ano achávamos que, por esta altura, já teríamos imunidade de grupo, mas vacinados ou não voltamos à cepa torta. O que nos vale é que vamos aprendendo a ter baixas expectativas porque já se sabe que, desde 2020, fazer planos é como varrer a cozinha. Não adianta de nada.

Hoje, a Alice faz 8 anos e ia ter uma festa. Já não tem. Está em isolamento profilático. E a coisa seria menos grave se o menino com Covid não fosse logo o colega de carteira. Os dois testes rápidos que lhe fizemos não me consolam muito. A tosse persistente dela também não. Sinto-me como que suspensa no ar. Mas ela hoje faz anos e está a encarar isto com um positivismo tal que me sinto um bocado bitch por me estar a lamentar.

Vou continuar a beber vinho. Ajuda-me sempre a ver as coisas de outra maneira.

Continue Reading

diário 2021 #3

Retiro o que disse no outro dia. Ainda mal que fui cortar o cabelo antes de os cabeleireiros fecharem, porque continua uma bela merda. Se não andar com ele sempre apanhado, sinto-me com os 40 que eu, aos 20, achava que ia ter, não os 40 que tenho agora, mas uns 40 muito mais cansados e acabados. Felizmente, estamos confinados, e esta é a única altura em que me ouvirão dizer o que acabei de escrever, porque pelo menos assim não há muita gente que me veja neste estado.

Hoje, estou de férias. É claro que já tive de responder a uns e-mails e enviar um orçamento, porque é difícil estar de férias quando só nós é que sabemos que estamos de férias, mas prometi a mim mesma que, depois da empreitada do último livro (tradução e revisão de um colosso de 600 páginas que só terminei ontem) iria dar-me a mim mesma um descanso. Então fiz as coisas que as pessoas fazem quando estão de férias, como ir fazer análises, ir meter gasolina e limpar a gaveta dos talheres. Também fiz uma atividade com as minhas filhas, a quem eu, ultimamente, só via de fugida por causa do tempo que passei à volta do livro e do cansaço generalizado que se apoderava de mim quando não estava de volta do livro. Criámos umas colagens em cartolina: era para ser só uma cidade, mas elas no fim quiseram acrescentar uns balões a voar e fogo de artifício a desejar um feliz 2021. Penso que seja o seu desejo (in)consciente de que este ano seja melhor, ou uma representação da passagem de ano que podíamos ser tido ou, simplesmente, foi do que se lembraram para encher os espaços vazios.

Acabei Felicidade, do João Tordo, de que gostei bastante, e comecei Rapariga, Mulher, Outra, da Bernardine Evaristo. Custou a entrar, aquela falta de pontos finais há de ter uma explicação, mas agora já acho que é capaz de vir a ser um dos livros do meu 2021.

E, com isto… Sei que já estamos em Fevereiro e que 2021 não começou da melhor forma, mas podemos sempre pensar que vai melhorar. Ou isso, ou aquele chá de cânhamo e ashwangandha que comprei no outro dia sempre faz efeito… Feliz 2021.

Continue Reading

Isto até podia ser um diário da quarentena

Ainda no seguimento do desabafo anterior, hoje estive a dobrar os lençóis lavados e a arrumá-los, e não cabiam. Ainda fiquei parada em frente ao armário a pensar se teria comprado lençóis novos num qualquer acesso de sonambulismo, mas depois cheguei à conclusão que eu é que não sei dobrar os lençóis, ou arrumá-los. O Tiago achou um disparate muito grande a minha sugestão de, quando o tempo melhorasse, irmos os quatro para o meio da serra onde não haja pessoas e ficarmos lá duas horas a brincar às caminhadas enquanto a Lena vinha cá limpar a casa, com luvas e máscara. Mas e se tu soubesses que ela estava infectada, dir-lhe-ias para vir à mesma? Postas assim as coisas, é, de facto, um disparate, mas se me me prendessem e torturassem, eu aposto que ao fim de dois minutos e meio acabaria por confessar que continuo a achar uma boa ideia…

Adiante. A tele-escola começou. Eles agora não dizem tele-escola. Chamam-lhe “Estudo em Casa” para ser mais pomposo e moderno, não sei. Eu, que nem sou do tempo da tele-escola (lembro-me de ver apenas nos últimos anos, quando ainda não andava na escola), insisto em chamá-la pelo único nome que conheci e que me faz sentido. É como as pessoas que insistem em dizer Lourenço Marques ou que continuam a falar em contos de réis. Credo, estarei a ficar antiga?

Acho que há algo de muito louvável em professores, que nunca puseram um pé num estúdio de televisão, darem aulas para um país inteiro, ainda por cima sem tele-ponto. A sério, é de se lhes tirar o chapéu! Até se desculpa quando começam a aula a dizer “Amiguinhos”! Quanto aos conteúdos, achei o primeiro dia um pouco fraquinho. Isto de juntar dois anos numa só aula acaba sempre por fazer baixar o nível de exigência, mas as aulas de educação artística e física de hoje fizeram sucesso cá em casa, por isso há esperança.

De resto, achei que esta altura da quarentena era a ocasião perfeita para deixar de usar champô e passar a lavar o cabelo com sabonetes artesanais, sem químicos. Foi um grande alívio passar pela fase nojenta no método “No Poo” (em que o couro cabeludo retoma a produção normal do seu óleo natural, deixando o cabelo super oleoso numa fase inicial) e não poder sair de casa. Tem de haver algum ponto positivo nisto tudo! 

Continue Reading

Coisas que aprendi com a quarentena

1. A casa está sempre suja; por muito que varra ou aspire, parece sempre que acabou de passar um tufão pela sala.

2. Há coisas que se sujam só porque sim; é assim como eu estar a engordar só por respirar.

3. Prometo nunca mais barafustar pela forma como a senhora da limpeza faz as camas ou arruma a casa. Adoro-a e está no topo das pessoas que quero ver em primeiro lugar quando isto tudo acabar. Também vou aumentá-la, porque há que dar valor a quem nos limpa a sanita.

4. Ter comprado um beliche para as miúdas foi uma péssima ideia; mudar os lençóis da cama superior é uma tarefa hercúlea e nunca fica bem feito (ver ponto 3).

5. Tenho de aprender a ser mais crítica: acreditar que ia conseguir ler imenso foi das maiores frustrações dos últimos 38 dias.

6. A forma como a nossa família se adaptou à nova situação era bastante previsível e pode resumir-se em características fundamentais das nossas personalidades: Alice – a caseira; Inês – a desapegada; Tiago – o pragmático; eu – a montanha-russa.

7. O Tiago implementou um esquema infalível anti-contaminação para ir às compras tão minucioso que, eu, em comparação, mais valia esfregar a cara na prateleira do papel higiénico.

8. Vou fazer 40 anos daqui a 3 semanas. Tinha um festão planeado, num sítio espectacular, com DJ e copos até de madrugada. E agora, muito provavelmente, vou ter de me contentar com um bolo de iogurte e um convívio no Houseparty. A bem dizer, ainda não aprendi nada com isto, mas espero já o ter feito quando chegar o dia.

Continue Reading