Nêsperas

Kika

A nossa gata Kika não vem a casa desde domingo. Da última vez que a vi, dirigia-se ao canavial do outro lado da rua com uma lagartixa na boca. Atrás dela ia outro gato, que não é dali, mas gosta de ir atazanar as nossas gatas. Não estavam, contudo, com ar de perseguição. Ela ia à frente com uma presa na boca e ele ia atrás dela, curioso. Coisas de gatos.

Quando, no outro dia, ela não apareceu para comer ou dormir, achámos estranho, mas não nos preocupámos muito. Afinal, os gatos são seres livres. Precisam de actividade, de caçar, de dormir ao sol e eu deixo as minhas fazerem tudo isso, não as prendo, porque posso. Vivo numa vivenda com espaço exterior e instalei uma portinhola para gatos na porta da cozinha. Elas entram e saem quando querem. Outros gatos também entram quando querem. Já sair é quando nós mandamos.
Ao segundo dia, comecei à procura dela. Primeiro a pé, pela zona, chamando-a naquele tom de quem anuncia paparoca (porque ela respondia sempre), depois de carro, atenta às bermas da estrada, com o coração em sobressalto sempre que avistava uma massa indistinta na margem. À tarde, fomos afixar anúncios. Gata procura-se. Gatinha perdida. Quem a vir, por favor avise. E fotos.
Decidi aventurar-me no canavial. Eu já estou muito melhor com o meu medo dos gafanhotos. Já os tolero mais, a horta ajuda-me nisso. Vejo-os a saltar à minha frente e, se não forem daqueles grandes e castanhos, penso sempre que eles têm mais medo de mim do que eu deles. Ou o truque será não olhar para baixo. Porque eles estão lá, mas eu se não os vir, está tudo mais ou menos bem.
A Olívia, a gata mais nova, veio atrás de mim, a fazer corridas à minha frente, possivelmente feliz por eu estar no parque infantil dela. Num recanto do canavial, escondida atrás do quintal do vizinho, uma grande nespereira, cuja existência desconhecia. Aproximei-me. Reparei que havia algumas nêsperas, mas quase todas nos ramos superiores. Ainda consegui apanhar umas quantas, que guardei no regaço da camisola e segui caminho por entre as canas, com as nêsperas no colo e a Olívia no meu encalço.

Quando regressei a casa, não trazia a gata, mas trazia cinco nêsperas. Serão boas?, perguntou-me ele. Se forem, tens de lá ir com um escadote, respondi eu. Se forem boas, até lá vou com um escadote. Partilhámos uma. Era boa. Doce. Maravilhosa.

Se virem a Kika, digam-lhe que estamos à espera dela. E que traga um escadote. Temos nêsperas docinhas para apanhar.

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