Please, please, please

Sempre achei que, ao regressar do Boom, depois de 6 dias a ouvir música eletrónica de todos os lados, a toda a hora, ao ponto de nos entrar na cabeça, nos sonhos, na pele, sentisse ressaca de rock, mas a verdade é que, pelo segundo ano consecutivo, dou por mim a tentar prolongar a intensidade daqueles dias. Não é raro deter-me a ver as fotos e os vídeos, atrás daquele sentimento de nostalgia, ou a procurar músicas novas no Spotify que me façam fechar os olhos e pôr-me a dançar na cozinha. Às vezes, até descubro uma ou outra música que me transporta imediatamente para a Boomland. Como esta, dos Octa Push. Em repeat incessante desde ontem.

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Utopias

Há muitos preconceitos à volta do Festival Boom. O principal é que “aquilo é só droga”, mas gostava de vos convidar a comparar estes dois artigos (este sobre o Boom, para uma população de 41 mil pessoas, e este sobre o Meo Sudoeste, para uma população de 23 mil) para que tirem as vossas conclusões.

Ou seja, é óbvio que há droga, montes dela, por todo o lado, mas, ao contrário do que se possa ouvir por aí, ninguém vos mete droga na comida nem na bebida, não há droga na água da rede (!), nem ninguém vos obriga a consumir o que quer que seja. Sendo todos adultos, cada um faz o quer e tem livre arbítrio para escolher. A única diferença é que ali ninguém tem de se esconder (nem é olhado de lado por não querer). É tudo às claras, e com preocupação pela segurança de quem consome (há mil pessoas destacadas para socorrer experiências que corram menos bem, ou excessos e problemas de desidratação, e há um posto de teste de pastilhas e ácido pela Kosmicare).

Mas o Boom não é só isso. Também não é, de modo simplista, um festival de música electrónica, apesar de ser um elemento bastante presente e de aquela batida nos acompanhar de dia e de noite – estranha-se, mas depois entranha-se, assegura-vos quem não gosta(va).

O Boom é, segundo aquilo que me foi dado a ver na semana que lá estive, o modelo de uma sociedade perfeita. Uma utopia que nos é dada a experimentar durante uma intensa semana, de 2 em 2 anos (excecionalmente haverá repetição para o ano, mas depois retoma a regularidade normal).

Uma sociedade em que o cuidado com o planeta não é apenas uma preocupação, mas um modo de vida. Uma sociedade em que as pessoas se entreajudam e se preocupam umas com as outras, apesar de estarem imersas na sua experiência individual. Parece haver um acordo tácito de “o bem-estar do outro é o meu bem-estar” e de “posso ser livre sem interferir com a rua liberdade”. Uma sociedade em que os corpos são normalizados e a nudez, parcial ou total, é vista como uma escolha individual, um modo de expressão, sem desencadear olhares reprovadores, de lascívia ou de algum modo incómodos. É tudo natural, não é sexual. A mulher pode andar de seios à mostra por onde quiser sem ter (medo) de ouvir piropos. Não imaginam o quão libertador é isto! Uma sociedade que não é patrocinada por marcas, nem dominada por credos, partidos políticos ou nacionalidades. Em que tudo funciona, também porque cada um faz a sua parte para cumprir as regras (apesar de não haver regras) sem queixume.

Vim de lá com uma profunda satisfação por ter feito parte de algo assim, tão superior aos sistemas que conheço. Cheguei a casa com a missão autoimposta de perceber como posso sentir a paz de espírito que lá senti, mesmo não estando reunidas as mesmas condições na vida real. Infelizmente, depois do síndrome de abstinência do Boom que senti nos dias que se seguiram, recebi várias chapadas da realidade que me transportaram de imediato para o meu estado pré-Boom: stress, ansiedade, queixume, insatisfação, irritação.

Depois de saber como é não sentir nada disso, sinto-me ainda mais frustrada. Mas nada como uma experiência transformadora e transformativa para nos fazer questionar e mudar aquilo que não está bem. E há muita coisa em mim que não está bem, no meu trabalho, na minha falta de tempo e disponibilidade mental para fazer as coisas que estimulam a criatividade e me trazem paz, como a costura e a jardinagem, na minha impaciência, nos filmes que faço na minha cabeça e em que acredito, apesar de não passarem de pensamentos, nas minhas inseguranças, no stress que me permito ter porque parece que não conheço outra coisa. Mas agora conheço, e tem de ser possível.

Tem de ser possível.

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