Autobiografia

Há muito tempo que o lançamento de um livro não me deixava tão expectante, curiosa, ansiosa. Gosto de Peixoto, adoro Saramago e O Ano da Morte de Ricardo Reis é uns dos meus livros preferidos de sempre. Juntar isto tudo numa obra só parece-me um toque de mestre.

Quero ir ao lançamento e não quero esperar que acabe o meu #anosemcomprarlivros para o poder ler. Este meu desafio literário já me trouxe muitas coisas boas: almoços e pequenos-almoços literários, autores que desconhecia, obras que nunca iria ler por iniciativa própria e que foram uma agradável surpresa (houve uma ou outra excepção), mas há outros departamentos da minha vida que exigem rigidez e intransigência. A leitura é um prazer, refúgio e salvação e não há limites para isto.

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A cena dos livros

Tinha estabelecido, no início do ano, o desafio de não comprar livros durante um ano. Fiz um post pomposo no Facebook a convidar amigos para me emprestarem livros e resisti heroicamente à tentação de comprar livros durante cinco meses inteiros (e, até à data, já li treze livros nestes moldes). Depois, veio a Feira do Livro. Fui lá duas vezes, o que parece uma estupidez, pensarão vocês (e terei pensado eu, a dada altura), visto que ir à Feira do Livro, gostando de ler, mas não poder comprar livros é o mesmo que ir a uma prova de vinhos grávida ou ir fazer um workshop de chocolate em dieta. Haveria muitos mais exemplos, mas já deu para perceber o grau de masoquismo. Eu achei que ia resistir, mas depois vi alguns livros que a biblioteca de Sesimbra não tem e que nunca há na livraria do Seixal e, pimbas, comprei-os. Ainda por cima, estavam a bom preço. Ainda me senti uma fraude durante uns segundos, mas depois pensei: ora, se eu morrer no final do ano, vou arrepender-me mais de me ter mantido fiel ao meu desafio ou de não ter lido os livros da minha lista? O desafio continua, mas não é preciso sermos rígidos. Além disso, depois de ler os meus livros novos, é provável que os doe à biblioteca. Acho que isto me escusa de penitência.

Sendo o último livro de carácter mais “técnico”, tinha-me autorizado a trazê-lo, por isso não conta…

 

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Leituras de 2018 #3

3. Segredo Oculto em Águas Turvas (“Outono”), de Mons Kallentoft

Este é o terceiro livro da tetralogia do sueco Mons Kallentoft e corresponde à estação do Outono. Todos os livros desta saga correspondem a uma estação do ano: o primeiro começou no Inverno, o segundo foi o Verão, agora o Outono, o quarto será a Primavera e o quinto será a “Quinta Estação”.
Nesta saga, acompanhamos a inspectora Malin Fors que, neste volume, se depara com grandes problemas a nível pessoal, tendo-se separado, outra vez, do seu marido e sentindo-se incapaz de manter uma relação saudável com a sua filha adolescente, apesar de ser o que mais deseja. A sua decadência física, porque começou a beber, e a crise na sua vida privada ocupam uma grande parte do livro, o que me aborreceu um pouco, porque não me identifico em nada com a heroína deste livro. Na verdade, ela é aqui mais uma anti-heroína que só tem olhos para a investigação e deixa tudo o resto desmoronar-se à sua volta.

Este autor usa as vozes dos mortos, que pairam sobre a investigação, como uma espécie de voz da consciência e humanização de personagens que só aparecem na história já mortas. Pretenderá, certamente, criar alguma empatia no leitor, mas e mim só gera um efeito de anticatarse.

Lá para o meio, a investigação adensa-se e o leitor fica preso à leitura. Mas chegar a esse ponto foi um esforço…

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Leituras de 2018 #2

2. A Educação de Eleavor, de Gail Honeyman

O meu pai deu-me um livro da Nora Roberts no Natal. Deve ter batido com a cabeça no dia da compra, porque antes de mo dar já sabia que eu não ia gostar. Por isso, fui trocá-lo por outro sem qualquer peso na consciência. Escolhi “A Educação de Eleanor” por mera sugestão do Goodreads. Às vezes, deixo-me levar pelos algoritmos. Mas, desta vez, os algoritmos acertaram em cheio: “A Educação de Eleanor” é um must-read!

Apesar de ser fácil de ler, não é um livro fácil. É um autêntico murro no estômago que nos faz questionar as estruturas sociais e querer saltar da cama para ir abraçar as nossas filhas. Mas não é sempre assim. Por exemplo, no início do livro, não sabemos se havemos de rir ou chorar de comiseração. Eleanor é uma jovem mulher extremamente inadaptada a nível social e solitária. Não percebe as convenções sociais, tem a sensibilidade e empatia de uma galinha, é extremamente poupada (e forreta) e considera que a razão está do seu lado e todos os que a rodeiam são uns autênticos mentecaptos (daí o título original do livro “Eleanor Oliphant is Completely Fine” – que se perdeu bastante na tradução…).
Um belo dia, decide (não vou dizer-vos porquê) fazer algumas mudanças exteriores com o intuito de parecer uma mulher “normal”. Fazer depilação, ir à manicure, comprar roupa, cortar o cabelo são coisas que Eleanor sempre considerara supérfluas e que faz, agora, pela primeira vez, o que dá azo a situações muito caricatas. Estas mudanças exteriores coincidem com algumas mudanças interiores que acontecem por fazer, pela primeira vez na vida, um amigo. É então que a emotividade chega à vida de Eleanor – e que descobrimos que a sua inadaptação social tem raízes num acontecimento traumático. As situações engraçadas começam a rarear e o livro assume, então, um ar muito sério. Deixamos de nos rir com o nerdismo de Eleanor para desejarmos ardentemente que tudo corra bem para ela. Ri e chorei em doses iguais. Não é qualquer livro que me faz sentir nesse limbo. Por isso, recomendo vivamente. Mas não só por isso. Por todas as razões e mais alguma.

 

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Calar mais do que dizer

Estou a ler um livro que está a ser um verdadeiro suplício. Não me vou alongar muito sobre isto agora, porque, a seu tempo, irei falar dele aqui, como costumo fazer com os livros que leio. No entanto, já valeu a pena, nem que seja devido ao seguinte excerto:

Eu, boca rota me confesso. Não o boca rota de andar por aí a espalhar inconfidências ou a revelar segredos. Quem me conhece sabe que sou exímia a guardar segredos. Refiro-me a ser inconveniente e a arrepender-me muitas vezes do que digo. Acontece-me vezes demais. Ou porque conto demasiadas coisas sobre mim ou porque dou a minha opinião sem ninguém a pedir e, depois, arrisco-me a ouvir o que não quero ou para o qual não estou preparada. Já me aconteceu, não poucas vezes, e só lembrar-me dos momentos em questão dói. Não que queira fazer segredo da minha vida, mas será mesmo preciso ser um livro aberto? Ou esta estúpida necessidade que sinto em justificar-me? Porque não posso simplesmente cancelar a depilação, por exemplo, sem adiantar motivos para o fazer? Não posso ir, não posso. A esteticista não tem absolutamente nada a ver com a minha vida. E, na maior parte dos casos, as pessoas nem querem saber. Por isso, adorei este conceito das “pessoas que calam mais do que dizem”. É assim que quero ser: nunca dizer inconveniências, nunca dar opiniões extravagantes sobre as quais até nem pensei muito, deixar de mandar bitaites para o ar quando não me pediram intervenção e não me arrepender do que disse ou ter necessidade de me justificar ou “matizar comentários”. Ter-me-ia poupado alguns amargos de boca. Mas estamos sempre a aprender. Mesmo quando certos livros equivalem a uma sessão de tortura da Inquisição (ou o mesmo que ver três vídeos seguidos da Bumba, pronto, não resisti!).

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